quarta-feira, 1 de novembro de 2017

' A SOCIEDADE DE ÓRFÃOS VIVOS'

 Por Juan Arias - Jornalista espanhol correspondente 
 
“Esta é uma sociedade de órfãos de pais vivos” 
 
O eco da tragédia de Goiás levará tempo para se dissipar, já que despertou o alarme em muitas famílias.
 
Estaremos criando uma sociedade de jovens de pais ausentes, distraídos demais com a Internet, à qual Leonardo Calembo, de 41 anos, pai de um dos adolescentes mortos a tiros no colégio de Goiânia por um colega de classe, chamou, enquanto enterrava o filho, de “órfãos de pais vivos”, de pais já mortos para eles, porque ignoram seus problemas?

O eco da tragédia de Goiânia, que se revela a cada dia com informações mais alarmantes sobre a personalidade complexa do jovem de 14 anos que disparou na sala de aula contra os colegas, levará tampo para se dissipar, já que despertou o alarme em não poucas famílias. É como se, de repente, nos perguntássemos se realmente conhecemos nossos filhos e o que estão vivendo sem que saibamos.

O sociólogo Jorge Wertheim, que foi representante da Unesco no Brasil, acaba de escrever no jornal O Globo, comentando o caso do jovem assassino da escola de Goiás, que é significativo que em um país como o Brasil, “com um dos maiores índices de violência do mundo, se despreze a necessidade de investigar por que esses níveis inaceitáveis de violência assolam as escolas”.

Enquanto escrevo esta coluna, o jornal Folha de S. Paulo publica o que chama de “o mapa da morte”, com os dados de homicídios no Brasil em 2016, com um aumento de quase 4% em relação ao ano anterior. No total foram 61.689 homicídios, o que equivale a sete a cada hora, algo que supera muitas guerras juntas. É como se o Brasil sofresse a cada ano a explosão de uma bomba atômica. A de Hiroshima matou pouco mais do que se mata no Brasil todos os anos.

Algo que agrava esse mapa da morte é que metade desses homicídios é de jovens, o que significa que mais de 30.000 pais e mães tenham que enterrar filhos, algo que fere as leis da natureza. O normal é que os filhos enterrem os pais. A matança desses milhares de jovens conduz à aberração de que os pais se sintam órfãos dos filhos, sem poder desfrutar deles em vida.

A violência aumenta em todos os estratos do Brasil, dentro e fora dos lares. Também nas escolas, e com ela o fascínio dos rapazes pelas armas. Uma professora de ensino secundário me escreve para expressar sua surpresa ao perguntar a seus alunos o que desejariam ser quando adultos. Quase todos sonhavam em ser policiais. Por quê?, indagou a professora. “Para poder usar uma arma”, responderam em coro, o que poderia ser traduzido como “para poder matar”

Permitir ou não que as crianças e jovens vejam todo o tipo de violência virtual nos jogos, nos filmes, na televisão e nos celulares? Quando eu era estudante de psicologia em Roma, tive uma discussão com um de meus professores que defendia que as crianças deviam familiarizar-se com a violência para poder administrá-la quando adultas. É o que pensam ainda hoje até mesmo ilustres sociólogos. Para mim, porém, a vida real de hoje já oferece doses de sobra de violência, desde que se nasce, dentro e fora das casas, para que seja preciso acrescentar-lhe a violência virtual. Que as famílias tenham mais medo que seus filhos vejam cenas de sexo que de violência, que se assustem mais que vejam um nu do que uma execução é um sintoma que deveria nos levar a pensar, em um mundo cada vez mais fascinado pelas armas.

Jovens órfãos de pais vivos, pais que se veem sujeitos a enterrar filhos em flor e, se fosse pouco, desde 1980 até hoje segue aumentando no Brasil o número de suicídios juvenis, segundo o IPEA. É o ápice da tragédia da sociedade. Um jovem que se priva voluntariamente de uma vida que deveria estar repleta de esperança e projetos é uma chicotada na consciência dos adultos. Não são apenas órfãos virtuais, mas também jovens aos quais a vida se revela pior que a morte.

Mais do que saber se têm mais votos Lula, Doria ou Bolsonaro, os institutos de pesquisa deveriam se interessar em descobrir por que a juventude de uma sociedade como a do Brasil, que sempre teve como vocação a felicidade e os encontros festivos, se vê de repente representada por um triplo drama de orfandade. Quem salvará o Brasil não será, de fato, nenhum caudilho, herói ou messias, mas a tomada de consciência da sociedade de que as famílias precisam apostar para que seus filhos voltem “a ser sonhadores”, como pedia o jovem de outra escola em Olinda.

Quando um jovem pede aos pais que lhe dediquem mais tempo que a seu celular, ele lhes está suplicando mais afeto, ou está tentando contar-lhes que algo se está rompendo dentro dele. Quando lhe dizem: “depois, agora estou ocupado”, esse “depois” poderia ser tragicamente tarde.

Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil 

 

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

LADRÃO DE MALA E CARTEIRINHA

Por, Juremir Machado - 25 de setembro de 2017

''Larápio assim tem direito a boneco vestido de presidiário no carnaval de Olinda e a figurinha no álbum dos maiores safados da história.''


O cara que rouba mais de R$ 51 milhões, armazena tudo num apartamento emprestado e vai trabalhar de terno e gravata como se fosse o mais honesto dos homens merece um lugar na galeria universal da infâmia. Vai ser cara de pau assim na casa do cachorro. Imaginemos o tipo despachando no ministério, pagando de autoridade, jantando com o presidente da República, assinando documentos oficiais e pensando na grana preta armazenada no seu cafofo. O sujeito que chora para não ficar na prisão, invoca os filhos e a mulher para sustentar, instala a mãe no mesmo edifício como se fosse um cordeirinho e deixa as impressões digitais nos sacos envolvendo o volumoso butim é de outro planeta.

Por favor, vai ser canalha assim na ponte que caiu. Tá louco.

A figura só pode ser sociopata, psicopata, pata que o pariu, essas coisas assim, se me faço entender, para roubar com as duas mãos e comparecer a uma manifestação contra a corrupção e soltar discurso contra a roubalheira na base do “ninguém aguenta mais”. Dobra a pena dele, vai. Além de roubar, o dito cujo deita e rola, zomba da nossa cara, tira todo mundo para otário. Um cara assim raciocina com esta linguagem: “Só tem mané nessa parada, meu irmão”. Bota safado nisso. E dizer que ninguém sabia de nada. Nem se imaginava. Só pode ser isso. Afinal, se a peça faz tudo isso e vira homem forte do governo só pode ser por inocência e ignorância do presidente. Ou alguém imagina outra coisa?

A minha conclusão é esta: o presidente não sabia de nada.

Deve estar chocado, perplexo, profundamente decepcionado, até revoltado.

Larápio assim tem direito a boneco vestido de presidiário no carnaval de Olinda e a figurinha no álbum dos maiores safados da história. Esse rouba e come com farinha. Dá até pena. O homem estava com um baita problema: como desovar a dinheirama toda sem dar na vista. Tinha de se preocupar com imensos problemas de logística. Ladrão assim merece respeito da comunidade internacional dos ladrões. É coisa de profissional. Se bem que deixou rabo e foi pego. O cara que enfia a mão no alheio, no dinheiro público, milita em partido, canta o hino nacional e jura honestidade quando apertado é, como se fala popularmente, do baralho. Um baralho sujo, imundo, baralho do poder.

Já vimos de tudo, mas coisa desse naipe impressiona. Deveria ter pedido de desculpas para o colega que o denunciou e teve de renunciar. Enfim, um cara desses é um monumento, uma estátua viva em homenagem à ladroagem. Claro que o leitor já entendeu que estou fazendo ficção. Um cara assim não existe, nunca existiu, jamais existirá. Só em filme. Qualquer semelhança com a realidade é mero exagero. Inventei tudo. Se um ladrão assim aparecer na história, o presidente da República virá a público pedir desculpas à nação por ter lhe dado altos cargos e não ter sabido que se tratava de bandido perigoso. Como se trata imaginário, inverossímil, ninguém terá de se justificar ou explicar.

No ranking dos ladrões brasileiros esse personagem de ficção lidera.

Juremir Machado da Silva - Jornalista, Escritor, Professor Universitário e Colunista


quinta-feira, 14 de setembro de 2017

O AMOR VAI DEVAGAR

Texto publicado originalmente no Neerlandês – Escrito por Luc Vankrunkelsven - 06 de Setembro 2017

Jon Sobrino, jesuíta da Universidade de San Salvador, havia repetidamente falado sobre "amor político" e que ele deveria falar sobre a realidade. No caso de seu país, El Salvador, é uma realidade difícil. Seu confrater (irmão religioso) e ex-ministro da educação na Nicarágua, Fernando Cardenal, levou a ação prática como poucos levaram. O brasileiro Frei Betto também é conhecido por seus apelos para o amor e a ação política. Talvez seja estranho na crise política que o Brasil encontra-se há algum tempo.

Herman Verbeek tinha na época em sua poesia e música "O amor vai devagar" sobre ‘desespero e paciência’. Para "amor político" e "paciência", tive que pensar frequentemente em Chapecó nos dias que estive por aqui. De 2003 a 2008, trabalhei com a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar-Fetraf-Sul (1) nos três estados do sul do Brasil. Foi principalmente um intercâmbio internacional de "OMC, comércio internacional e efeitos perversos para a agricultura local (ers) em todo o mundo". A partir de 2008 comecei com passeios anuais de cinco semanas neste imenso país. Um subcontinente. Voltei também a Chapecó há poucos dias. Eu tenho muitas oportunidades aqui e aprendi muito, mas ainda estava aguardando esses dias que após anos de trabalho também pudesse colher algo de novo, e colhi – vou contar um pouco do vi, vivi e compartilhei por aqui.


 INVESTIR NA JUVENTUDE
Universidade Federal da Fronteira Sul-UFFS - Campus Chapecó/SC
A Fetraf Santa Catarina quer influenciar positivamente as gerações futuras. Portanto, há oito anos, juntamente com outros movimentos sociais, foi protagonista na criação de uma nova universidade: UFFS (2). Os jovens são formados debatendo
Centro Educacional do Bosco - Estudante recita poema
alternativas de produção que atendam a agricultura familiar e campesina. Há também uma forte abertura para dar aos haitianos emigrados e "índios" de diferentes etnias oportunidades para o ensino universitário. Isso foi o que eu experimentei pessoalmente, quando, após minha fala ao plenário lotado da Universidade Federal da Fronteira Sul com estudantes de Engenharia Ambiental, Agronomia e Ciências Sociais; Kichulu Yawalapiti um jovem "índio" pertencentes aos povos indígenas do Xingú me convidou para conhecer sua região em Mato Grosso. Ele ficou muito emocionado com o argumento de Wervel, não só de se concentrar no debate da monocultura de soja, mas também estimular a proteção da diversidade original.

Centro Educacional do Bosco - Chapecó/SC
À chegada ao oeste catarinense, após oito horas de viagem noturna com o ônibus de Curitiba-Chapecó, tive que falar imediatamente com as crianças do Centro Educacional Dom Bosco. 

Fiquei impressionado como os professores vão lá diariamente e inserem as crianças no debate da sustentabilidade, tanto em termos teóricos (veja notas de registro aqui, onde um mini-almoço com LEF é tomado durante o intervalo das atividades), bem como, a semeadura prática (por exemplo, cultivar sementes de árvores originais como a araucária e replantar), Painéis e campanhas orientando sobre reciclagem e cuidados com o meio ambiente. Além disso, professores estimulam as crianças a poesia. 

Para cada uma das duas conversas que fizemos no plenário da escola, uma menina recitou seu próprio poema. Para percebermos. Um poema é intitulado: "A årvore do Amor" / "A Árvore do Amor".

Centro Educacional Dom Bosco - Chapecó/SC
 PAINEL NO CENTRO EDUCACIONAL DOM BOSCO 
  • "A reciclagem de um alumínio pode economizar energia suficiente para ligar uma TV por três horas".
  • "Mais de 160 mil pessoas vivem no Brasil apenas coletando latas de alumínio, e recebem, em média, dois salários mínimos, de acordo com a Associação Brasileira de Alumínio".
  • "Cada 100 toneladas de plástico economizam 1 tonelada de petróleo".
  • "Para a produção de 1 tonelada de papel, é necessário 100 mil/litros de água e 5 kw de energia. Para produzir a mesma quantidade de papel reciclado, são necessários apenas 2000 litros de água e 50% da energia ".
  • "O vidro pode ser completamente reciclado".
As informações sobre as latas me lembraram os anos em que eu puxei escolas na Flandres (norte da Bélgica) com uma lata de coca e batatas fritas, combinada com uma caixa de pão (2). Objetivo? Explicar a globalização e os sistemas alimentares, fazer conexões e apontar o enorme desperdício.


➠ LIVROS EM UM PAÍS DE LEITURA

Estudantes da Escola de Ensino Básico Tancredo
Neves - Chapecó/SC
Crianças no Centro Educacional Dom Bosco, estudantes da nova Universidade - Uffs, estudantes de ciências e humanidades na Escola de Ensino Básico Tancredo Almeida Neves: nestes locais a quase despercebida, mas terna e efetiva presença do Filósofo/professor que assessora a Fetraf Santa Catarina Prof. Neuri Alves e as atividades sempre bem preparadas. Lentamente, ao 'Ritmo da Lagarta'. Ao Ritmo do Amor', que tem paciência e não se deixa levar. Por exemplo, ainda não havia presenciado como os alunos foram para a mesa onde estavam expostos os livros e compraram muitos exemplares. 


Centro Educacional Dom Bosco - Chapecó/SC
Um companheiro de uma biblioteca itinerante animou o stand de livros também na primeira noite na Escola Trancredo Neves e na manhã seguinte na Universidade Federal da Fronteira Sul. É o sinal do novo com uma Livraria Itinerante com preços populares que funcionará em um veículo Kombi (WW), nos passos de Paulo Freire. É uma conquista total em um país, que até então não apresentava uma cultura de leitura tão marcante. Precisamos incentivar a compra de livros, mesmo que para isso como escritores precisamos nos despir de nossos anseios pelo lucro – a cultura precisa vencer. Embora, como essas escolas e as universidades querem formar novas gerações e uma nova mentalidade, com isso tem havido crescimento notável ​​na venda de livros infantis nos últimos anos em todo Brasil. A nova geração de professores claramente incentiva as crianças e os jovens a ler. O canto de leitura no Centro Educacional Dom Bosco está lindamente decorado – é a prova da verdade.

Centro Educacional Dom Bosco - Chapecó/SC

Escola de Ensino Básico Tancredo Neves - Chapecó/SC

 MULHERES PODEROSAS

Propriedade Família Cordazzo - Coronel Freitas/SC
O último dia no período da tarde visitamos uma propriedade onde vive com seus pais uma jovem agricultora com expressão angelical de menina em tenra idade, embora sua já adiantada caminhada formativa e consciência.

Dalvana Cordazzo. Ela quer mudar a lógica da produção atual de leite na propriedade para uma produção biológica, baseada apenas em pastagem e tratamento com fitoterápicos e homeopatia. Como guia a nos acompanhar uma jovem engenheira agrícola, em processo de formação na UFFS. Ela trabalha no sindicato de agricultores do município de Coronel Freitas. Ela representa claramente a nova geração que quer transformar ideias inovadoras em prática. O país atravessa hoje uma crise profunda, mas como o antigo governo do PT investiu em jovens, há um otimismo vivaz que eles representam uma esperança duradoura no futuro.

Propriedade Família Cordazzo - Coronel Freitas/SC
Fomos encontrar a engenheira agrícola no sindicato. O que encontro? - Ao entrar no sindicato, dou-me de frente com uma visão carregada de significados na parede, com os dois ex-presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff de ambos os lados e ao centro o cristo crucificado. Jesus de Nazaré entre dois socialistas em um sindicato de agricultores socialistas! Tal movimento não pode ser imaginado na Europa. Isso é um socialista-avant-la-lettre entre dois socialistas que queriam levar seu país para uma direção libertadora? Ou Jesus está esticado aqui para mostrar a situação da propriedade? Na minha opinião, sim, usei isso como exemplo que o Bom Jesus enfrenta no uso dos fertilizantes na Lapa.


➠ ‘EU SEREI’


Propriedade Família Cordazzo - Coronel Freitas/SC
Dalvana é uma jovem promessa de liderança forte dos agricultores na estratégia da Fetraf no Estado de Santa Catarina - é uma esperança que o novo vai nascer. A visita foi um pedido em especial pelo respeito que a jovem nutre por mim, mesmo que ela tenha ficado um pouco nervosa ao receber um escritor da Europa em sua casa. No entanto, ela o convidara, porque fez leitura de seus livros e compartilha de suas ideias. Não é evidente na cultura machista brasileira uma jovem não se casar e sair para a outra família. Muitas mulheres jovens também migram para a cidade, enquanto os jovens agricultores freqüentemente ficam no campo sem que as mulheres assumam o lugar de proprietárias como transição natural. Ela diz com firmeza: "Eu permaneço e quero continuar com este projeto na propriedade familiar voltado a produção mais orgânica’’. Ela vai encontrar muitos obstáculos a caminho, mas o ritmo da lagarta irá ajudá-la a superar - por eu onde andar estarei feliz por saber que os ‘Oasis’ não morrem! 


O amor sem paixão é como alimentar-se de algo sem gosto, sem pimenta e sal. O amor (compromisso) por vezes pode até parecer algo rápido, efêmero, mas pode também tornar-se fúria, fortaleza. O amor, também o político, vai devagar, mas a paixão pelo que fazemos pode ajudar superar as ervas daninhas, porque o amor mesmo que gestado lentamente em pequenas atitudes, ações e iniciativas de ‘Oasis em Oasis’ um dia vai vencer.


Luc Vankrunkelsven - Filósofo, Escritor e Frei. É fundador da Wervel, uma ONG com sede na Bélgica que luta em defesa de uma Agricultura Resposável e Socialmente Justa. Ativista de intercâmbio de diálogos entre Brasil e Europa na defesa do Bioma Cerrado Brasileiro.  



Fonte: Textos traduzidos originalmente da página pessoal do escritor na Bélgica com o Titulo: 'Liefde gaat langzaam' - https://lucvankrunkelsven.wordpress.com/

Fotos das agendas por Chapecó:

Professores, Gestores e Convidados - Centro Educacional Dom Bosco - Chapecó/SC

Professor e Estudantes da Escola de Ensino Básico Trancredo de Almeida Neves - Chapecó/SC

Professoras da Escola de Ensino Básico Trancredo de Almeida Neves - Chapecó/SC

Alexandre Bergamin - Coordenador da Fetraf/SC na Palestra da UFFS - Chapecó/SC 
Professor Tomé Coletti UFFS e Prof. Pesquisador Neuri Alves Assessoria Fetraf/SC

Visita a Cresol Central com Diretora da Fetraf/SC  - Chapecó/SC

Projeto de Livraria Itinerante - Chapecó/SC


sábado, 9 de setembro de 2017

ENQUANTO AS MULHERES MORREM ELES CALAM



Na ultima semana a região oeste de Santa Catarina apresentou mais e mais casos de mulheres assassinadas pelo marido, ex marido ou namorado. Some-se aos números de partidas (mortes) as dezenas de vitimas casadas, namoradas, crush (termo usual em nossos dias) agredidas violentamente por ciúmes, ou meramente por ser mulher e com estas as centenas de lágrimas, dores e hematomas mantidos e silencio. Em hegemônica maioria o agressor é quem diz amar, e prometer cuidar o jardim afetivo que acham pertencer unicamente a si mesmo. 

Se levantarmos todos os casos apresentados diariamente pelas emissoras de rádios e delegacias em todas nossas região, somos sem dúvida umas das regiões mais violentas para mulheres não somente no sul do país. Digo isso, porque em viagem semanal pelo Estado escuto programas de rádio durante o dia e são dezenas de registro de agressões e mortes relatadas por emissoras locais e regionais. Mas ao governo catarinense não interessa publicitar dados, pois estes agridem a cultura machista e não só, dados revelam a inoperância do ente responsável pela segurança de seus cidadãos. Ou ainda, o Estado se revela não reconhecedor da mulher como cidadã de direitos constituídos.

A violência nunca se justifica, mas se explica pelas ferramentas violentas e covardes presentes na sociedade: a mídia que estimula e silencia, políticos que a reafirmam como necessidade, religiões que alienam e reafirmam condições, a estúpida cultura machista e covarde e legitimação conivente do Estado. É o mais triste é que não parece ser as mulheres que morrem na totalidade, pois de algum modo permanecem vivas como memórias, dores da ausência e fria estatística. O que morre, é o poder de punir, força para reagir, coragem para denunciar, naturalizando-se uma capacidade de não mais comover.

A violência que se aponta como 'DNA' da espécie, um retrovisor milenar na cultura, se reafirma na estupidez e descaso de nosso tempo, sinaliza permanecer como trevas, dias sombrios de um mundo sem futuro. Pois não há futuro onde o passado serve de referência e justificativas para as insanidades, estupides, inércia e silêncio novamente.

Enquanto permanecer o silêncio forçado, a conivência legalizada e a cegueira simulada, o amanhã continuará sendo uma tela pintada em sangue, lágrimas, sombras. E sobre estas, as luzes da impunidade, a menina dos olhos manifesta como delação premiada, justiça alienada, condenação orquestrada. A justiça de nosso tempo é uma espécie de 'Caixotinho de PANDORO' guardando espíritos de porcos, porcos espirituosos e bandidos dizendo o que é legal ou não - nesta caixinha ser MULHER, é apenas ser mulher, ou seja... sem rosto, sem dor, sem hematomas, sem direitos, sem... sem... sem... VIDA!  

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Neuri Adilio Alves
Filósofo, Professor, pesquisador 
em Antropologia Filosófica

quinta-feira, 27 de abril de 2017

GREVE E ESPIRITUALIDADE PASCAL

''É preciso um processo de conversão para descobrir que a dimensão social libertadora é o eixo central da revelação bíblica e o coração da espiritualidade judaico-cristã''

Monge Marcelo Barros
Em várias dioceses católicas do Brasil, muitos ministros e fieis se revelam surpresos ao perceber que os responsáveis pela Igreja decidiram se manifestar publicamente sobre o que está acontecendo no Brasil. Bispos se pronunciam contra iniciativas do atual governo, como a Proposta de Reforma da Previdência Social. Também se declaram contra as mudanças da Constituição, empreendidas pelo Congresso, sem nenhuma consulta ou respaldo popular. Na Igreja Católica, essa nova postura profética dos bispos, depois de décadas de uma pastoral mais autocentrada, é uma boa surpresa.

Sem dúvida, devemos isso a esses tempos que vivemos, embalados pela profecia do papa Francisco. No entanto, além dos bispos católicos e de uma nota da própria CNBB, também o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs e autoridades evangélicas têm se unido na denúncia das medidas que vão diretamente contra os interesses da imensa maioria dos brasileiros.

Infelizmente, para muitos cristãos, o compromisso social e político não parece fazer parte da fé. Nesse tempo pascal, todas as comunidades de Igrejas antigas leram as passagens do livro do Êxodo que contam a Páscoa judaica. Ali, Deus ordenou aos hebreus saírem da escravidão. Ele os conduziu para a terra prometida e revelou que a vocação de todo ser humano é ser livre e ter sua dignidade reconhecida. Daqui há poucos dias, leremos nas Igrejas o texto do evangelho no qual Jesus se proclama o verdadeiro pastor do povo que veio para que todos tenham vida e vida em abundância (Jo 10, 10). No entanto, muitos ministros e fieis interpretam o evangelho de forma espiritualista e individualista. Como se Deus se interessasse apenas pelas consciências e desse sua salvação só para depois da morte. Mesmo muitos que estão d e acordo com as pastorais sociais e os trabalhos de solidariedade os veem apenas como consequência da fé e da caridade.

É preciso um processo de conversão para descobrir que a dimensão social libertadora é o eixo central da revelação bíblica e o coração da espiritualidade judaico-cristã. Ela expressa a relação com um Deus que é amor e cujo projeto é a libertação de todos os humanos, o direito à vida de todos os seres viventes e a comunhão do universo. Esse projeto que a Bíblia chama de “reino de Deus” nos chama todos a sermos cidadãos. Paulo diz que deixamos de pertencer ao mundo como sociedade dominante para vivermos livres. Então, “o mundo, a vida, a morte, o presente e o futuro, tudo é de vocês e vocês são do Cristo e o Cristo é de Deus” (1 Cor 3, 22- 23).

Nesses dias, muitos bispos e pastores estão se pronunciando publicamente favoráveis à greve geral dessa sexta-feira, 28. Eles conclamam as pessoas de fé a apoiarem as mobilizações populares. Setores mais conservadores se perguntam o que isso tem a ver com a fé.

De fato, essa greve geral é um movimento autônomo dos movimentos sociais. Totalmente laical e nada ligada à Igreja. No entanto, para quem tem fé, essa greve recorda que, na Bíblia, a aliança de Deus com o seu povo tem como centro a celebração do sábado. É o direito sagrado do povo parar o trabalho e descansar. Até hoje, os rabinos explicam: “Deus criou o sábado para lembrar a todo fiel a sua dignidade de pessoa livre e que não pode se deixar oprimir”. Não é por acaso que no idioma hebraico dos nossos dias, o termo greve é traduzido por Shabbat , o mesmo vocábulo que sábado.

Quando lutamos por cidadania e direito dos trabalhadores, estamos revivendo o que uma canção das comunidades eclesiais de base cantam até hoje: “No Egito, antigamente, no meio da escravidão, Deus libertou o seu povo. Hoje, Ele passa de novo, gritando a libertação”.

Um abraço amigo do irmão Marcelo Barros
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Marcelo Barros é Monge Beneditino, interprete da Bíblia, Conferencista. 

quarta-feira, 8 de março de 2017

UM NOVO JARDIM AS ROSA DA LUTA

'Será como ter recomeçado do zero, recomeçar o que talvez sem as mulheres nunca foi nada.' 

Minha saudação especial a todas as mulheres que compartilham diariamente conhecimento, sabedorias, alegrias, tristezas, coragem, esperanças, energia para a luta e que além do contato na luta, ficamos sabendo aqui neste espaço virtual. - É como se a realidade rompesse o silêncio, a distância, o gélido estado material da fibra ótica deste espaço e o calor das consciência lhes acalente.

Parabéns Mulheres pela coragem de enfrentar diariamente este mundo desigual, de estupida violência, mesquinhez, exclusão e morte.

... a voces meu imenso respeito
... um jardim de rosas pela unidade
... um grito de denuncia a cada agressão e agressor
... uma dose de subversão a submissão secular
... uma espada cortante as linhas da segregação
... uma luz de esperanças onde haver escuridão
... um convite a luta as vitimas da violência
... um olhar revisado as que acham que não sofrem perseguição,
... um pedido de presença as que se encontram distantes
... uma fantasia de coragem as que se armam apenas com vitrines
... um brinde a beleza inconfundível das que lutam sempre.

De modo especial, um beijo doce, minha imensa admiração a minha companheira de sempre, amiga e MULHER Silvania. Sem ela os dias e a vida perde grande parte do sentido.

É juntos: Homens e Mulheres, (anima e animus) - mais cedo ou mais tarde nos levantaremos dos dias dolorosos, com as feridas curadas, embora não esquecidas. Seremos maioria consciente, energia de luta, convicção, uma nação de todos e para todos: sem violência, sem distinção, sem exclusão, sem machismos, sem estupidez.

Será como ter recomeçado do zero, recomeçar o que talvez sem as mulheres nunca foi nada. As Rosas não precisam de Rosas, precisam de Jardins, e os jardins são lugares da liberdade, da subversão aos espaços sombrios, a ordem pré estabelecida, onde a beleza é impacto que mexe por dentro, que mudam os dias, ... as sombram não servem ao mero descanso mas a reflexão, a contemplação, ao renovar para nova AÇÃO!

Mulher é Rosa, Jardim é espaço de direito, dignidade, respeito. - 'Mulher bonita, é mulher que luta' encrava o belo adágio, e nenhuma maquiagem ou fantasia de vitrine lhes deixará mais bela, porque beleza supõe coragem, subversão a ordem dos exclusivismos patriarcalista, mesquinharias e ditaduras do TER que SER, assim ESTAR e SUBMETER-SE! Fraterno abraço!


Neuri A. Alves - Professor, Filósofo e Pesquisador em Antropologia Filosófica. Assessor de Formação e Elaboração na Fetraf Santa Catarina.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Neuroeducação: aula com menos de 50 minutos, mais aprendizado.


Escrito por 
ANA TORRES MENÁRGUEZ

“É preciso acabar com o formato das aulas de 50 minutos”

Especialista em Neuroeducação aposta na mudança de metodologias, mas pede cautela na aplicação da neurociência na educação.


A neuroeducação, disciplina que estuda como o cérebro aprende, está dinamitando as metodologias tradicionais de ensino. Sua principal contribuição é que o cérebro precisa se emocionar para aprender e, de alguns anos para cá, não existe ideia inovadora considerada válida que não contenha esse princípio. No entanto, uma das maiores referências na Espanha nesse campo, o doutor em Medicina Francisco Mora, recomenda cautela e adverte que na neuroeducação ainda há mais perguntas do que respostas.

Mora, autor do livro Neuroeducación. Solo se puede aprender aquello que se ama (Neuroeducação. Só se pode aprender aquilo que se ama), que já atingiu a marca de onze edições desde 2013, também é doutor em neurociência pela Universidade de Oxford. Começou a se interessar pelo assunto em 2010, quando participou do primeiro Congresso Mundial de Neuroeducação realizado no Peru.

Mora argumenta que a educação pode ser transformada para tornar a aprendizagem mais eficaz, por exemplo, reduzindo o tempo das aulas para menos de 50 minutos para que os alunos sejam capazes de manter a atenção. O professor de Fisiologia Humana da Universidade Complutense alerta que na educação ainda são consideradas válidas concepções equivocadas sobre o cérebro, o que ele chama de neuromitos. Além disso, Mora está ligado ao Departamento de Fisiologia Molecular e Biofísica da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos.
Pergunta. Por que é importante levar em conta as descobertas da neuroeducação para transformar a forma de aprender?
Resposta. No contexto internacional há muita fome para ancorar em algo sólido o que até agora são apenas opiniões, e esse interesse se dá especialmente entre os professores. O que a neuroeducação faz é transferir a informação de como o cérebro funciona com a melhoria dos processos de aprendizagem. Por exemplo, saber quais estímulos despertam a atenção, que em seguida dá lugar à emoção, pois sem esses dois fatores nenhuma aprendizagem ocorre. O cérebro humano não mudou nos últimos 15.000 anos; poderíamos ter uma criança do paleolíticoinferior numa escola e o professor não perceber. A educação tampouco mudou nos últimos 200 anos e já temos algumas evidências de que é urgente fazer essa transformação. Devemos redesenhar a forma de ensinar.
P. Quais são as certezas que já podem ser aplicadas?
R. Uma delas é a idade em que se deve aprender a ler. Hoje sabemos que os circuitos neurais que codificam para transformar de grafema a fonema, o que você lê e o que você diz, não fazem conexões sinápticas antes dos seis anos. Se os circuitos que permitirão aprender a ler não estão formados, se poderá ensinar com um chicote, com sacrifício, sofrimento, mas não de forma natural. Se você começa com seis, em pouquíssimo tempo aprenderá, enquanto que se começar com quatro talvez consiga, mas com enorme sofrimento. Tudo o que é doloroso tendemos a rejeitar, não queremos, enquanto aquilo que é prazeroso tentamos repetir.
P. Qual é a principal mudança que o sistema de ensino atual deve sofrer?
R. Hoje estamos começando a saber que ninguém pode aprender qualquer coisa se não estiver motivado. É necessário despertar a curiosidade, que é o mecanismo cerebral capaz de detectar a diferença na monotonia diária. Presta-se atenção àquilo que se destaca. Estudos recentes mostram que a aquisição de conhecimentos compartilha substratos neuronais com a busca de água, alimentos e sexo. O prazeroso. Por isso é preciso acender uma emoção no aluno, que é a base mais importante sobre a qual se apoiam os processos de aprendizagem e memória. As emoções servem para armazenar e recordar de uma forma mais eficaz.
P. Quais estratégias o professor pode usar para despertar essa curiosidade?

Sabemos que para um aluno prestar atenção na aula não basta exigir que ele o faça

R. Ele deve começar a aula com algum elemento provocador, uma frase ou uma imagem que seja chocante. Romper o esquema e sair da monotonia. Sabemos que para um aluno prestar atenção na aula não basta exigir que ele o faça. A atenção deve ser evocada com mecanismos que a psicologia e a neurociência estão começando a desvendar. Métodos associados à recompensa, e não à punição. Desde que somos mamíferos, há mais de 200 milhões de anos, a emoção é o que nos move. Os elementos desconhecidos, que nos surpreendem, são aqueles que abrem a janela da atenção, imprescindível para a aprendizagem.
P. O senhor alertou em várias ocasiões para a necessidade de ser cauteloso em relação às evidências da neuroeducação. Em que ponto o senhor está?
R. A neuroeducação não é como o método Montessori, não existe um decálogo que possa ser aplicado. Ainda não é uma disciplina acadêmica com um corpo ordenado de conhecimentos. Precisamos de tempo para continuar pesquisando porque o que conhecemos hoje em profundidade sobre o cérebro não é totalmente aplicável ao dia a dia em sala de aula. Muitos cientistas dizem que é muito cedo para levar a neurociência às escolas, primeiro porque os professores não entendem do que você está lhes falando e segundo porque não há literatura científica suficiente para afirmar em quais idades é melhor aprender quais conteúdos e como. Há flashes de luz.
P. O senhor poderia contar alguns dos mais recentes?
R. Estamos percebendo, por exemplo, que a atenção não pode ser mantida durante 50 minutos, por isso é preciso romper o formato atual das aulas. Mais vale assistir 50 aulas de 10 minutos do que 10 aulas de 50 minutos. Na prática, uma vez que esses formatos não serão alterados em breve, os professores devem quebrar a cada 15 minutos com um elemento disruptor: uma anedota sobre um pesquisador, uma pergunta, um vídeo que levante um assunto diferente... Há algumas semanas, a Universidade de Harvard me encarregou de criar um MOOC (curso online aberto e massivo, na sigla em inglês) sobre Neurociência. Tenho de concentrar tudo em 10 minutos para que os alunos absorvam 100% do conteúdo. Nessa linha irão as coisas no futuro.