domingo, 21 de agosto de 2016

OS LIVROS MAIS LIDOS PELOS EDUCADORES

Entre os títulos mais lidos pelos professores brasileiros, estão os religiosos e obras de autoajuda com vendas muito expressivas no país. Essa é apenas uma das conclusões da pesquisa Retratos da Literatura no Brasil, Organizada pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Ibope. O estudo foi realizado em 2015 e, ao todo, foram entrevistadas 5.012pessoas de todas as regiões do país.

Segundo o levantamento, 84% dos docentes no Brasil são considerados leitores, ou seja, leram pelo menos um livro inteiro ou em partes nos últimos três meses. Metade dos professores entrevistados não leu nenhuma obra recentemente. Além disso, a média de livros lidos, inteiros ou em partes, pelos docentes nos últimos três meses é de 5,2.

A partir da lista de obras disponibilizada pela pesquisa, o site da revista Educação selecionou cinco títulos que caíram no gosto dos professores. A grande maioria é composta por obras de ficção: apenas um é especializado em uma área de atuação docente. Veja a seguir.

A esperança – Trilogia Jogos Vorazes (Mockingjay, 2010)Suzanne Collins

Toda a trilogia foi adaptada para o cinema em quatro produções, e contou com a interpretação da atriz Jennifer Lawrence (ganhadora do Oscar em 2013 pela atuação em “O lado bom da vida”) no papel principal. Os filmes foram lançados nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015.

Último livro da saga Jogos Vorazes, a obra é sucesso entre o público jovem-adulto. Escrito pela estadunidense Suzanne Collins, a trama se passa no futuro, quando, destruída por guerras, a América do Norte passa a se dividir em 12 distritos e uma capital. A esperança retrata o desfecho da luta de Katniss Everdeen, protagonista e líder da rebelião contra o governo autoritário do novo país.


O monge e o executivo – Uma história sobre a essência da Liderança (The servant, 1998) James C. Hunter


O maior mercado de vendas da obra está no Brasil, onde já vendeu mais de 3 milhões de cópias desde seu lançamento em 2004, pela editora Sextante. The Servant (“O servidor” ou “Aquele que serve”, em tradução livre) foi escrito em 1998, mas não se tornou um sucesso nos Estados Unidos.

O livro do norte-americano James C. Hunter é considerado uma obra deautoajuda profissional. Focada no que autor considera ser a verdadeira liderança, a obra mostra ensinamentos sobre como ser um bom líder por meio da servidão ao outro.

Amor nos tempos do cólera (El amor en los tiempos del cólera, 1985) Gabriel García Márquez

O ponto de partida para o enredo do livro veio da história dos pais de García Márquez. O telegrafista, violinista e poeta Gabriel Elígio Garciá – mesmas profissões do personagem Florentino – se apaixonou por Luiza Márquez, mãe do autor, quando muito jovem. O romance real também enfrentou a oposição do pai de Luiza, coronel Nicolas, que tentou impedir o casamento enviando a filha ao interior da Colômbia para uma viagem de um ano.

Considerado pelo consagrado autor colombiano como sua melhor obra, Amor nos tempos do cólera conta a história do romance entre Florentino e Fermina, amantes na Colômbia do século 19. Impedidos de ficar juntos na juventude pelo pai da moça, o casal vive um amor a distância que dura mais mais de 50 anos , até que os dois se reencontram na velhice.

O símbolo perdido (The Lost Symbol, 2009)Dan Brown


Ambientado em torno da maçonaria nos Estados Unidos, a história deixa de lado os conflitos com a igreja católica trazidos nos dois sucessos anteriores do autor: Anjos e Demônios (2000) e o polêmico O Código da Vinci (2003). Houve um plano de adaptação cinematográfica da obra, que foi abandonado pela produtora. Optou-se por focar a produção do filme do último livro de Brown, Inferno (2013).

Esse é o quinto bestseller do autor estadunidense Dan Brown. Em seu primeiro dia de vendas, o livro vendeu 1 milhão de cópias nos EUA, no Reino Unido e no Canadá. A trama narra a terceira aventura do simbologista Robert Langdon, o mais famoso personagem do autor.

Fisiologia do exercício – Nutrição, Energia e Desempenho Humano (Exercice Physiology, 1981 – 1ª versão) William D. Mcardle


Seu autor, William D. Mcardle, é professor emérito ddepartamento de família, nutrição e saúde do exercício da Queens College of the City University of New York, nos Estados Unidos.

O livro se propõem a ser uma fonte de conhecimento para estudantes e instrutores da área de educação física.Atualmente em sua sétima edição, o livro traz princípios científicos, entrevistas e pesquisas relacionadas aos diversos aspectos que compõem o tema.


Fonte: http://www.revistaeducacao.com.br

“ESCOLA SEM PARTIDO PRECISA SER DISCUTIDO EM SALA DE AULA”

Pais, professores e cidadãos acabam embarcando nas ideias do programa “Escola sem Partido” porque a sociedade brasileira não tem o costume de debater questões ligadas à pluralidade de pensamento nos espaços públicos e nas escolas. Essa é a opinião da coordenadora técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação (Cenpec), Maria Amabile Mansutti.
Segundo Maria Amabile, o “Escola sem Partido” representa retrocesso e causa confusão ao colocar no mesmo patamar a educação na escola com aquela que é oferecida pelos pais no âmbito privado. “O programa vai na contramão de tudo que já conseguimos na perspectiva de uma escola democrática, porque ele defende justamente o que prega não fazer: uma ideologia”, afirma.
Para combater a desinformação a respeito do tema, a coordenadora destaca a responsabilidade dos espaços públicos de discussão – principalmente escolas –  no debate com a população. Isso seria importante porque a implementação do projeto afeta diretamente o funcionamento das instituições de ensino e a formação futura dos cidadãos.
Algumas entidades, como o Ministério Público Federal (MPF), já se posicionaram sobre o assunto e prestaram esclarecimentos sobre seus pontos de vista. Por meio de uma nota técnica enviada ao Congresso Federal, o MPF disse que o projeto é contrário à Constituição por impedir a pluralidade de ideias e eliminar a autonomia didática e pedagógica do professor.
Maria Amabile acredita que o posicionamento do MPF ajudará educadores que se sentem acuados por criticar o programa, além de alimentar o debate e esclarecer, tanto para a comunidade em geral quanto para os educadores, porque o projeto não pode ser considerado uma alternativa para a educação brasileira.
Além do MPF, a Advocacia-Geral da União (AGU) também se posicionou contra o projeto de lei. Aos órgãos federais somam-se movimentos de educadores e especialistas na luta contra a implementação do programa. Esses representantes temem que a medida crie uma forma de censura nas salas de aula.

UNIVERSIDADES BRASILEIRAS NÃO ESTÃO “FORMANDO” PROFESSORES

Especialista e Referência nacional, Bernardete Gatti discorre sobre os rumos da formação docente no Brasil.

Especialista Bernardete Angelina Gatti 
Qualquer discussão sobre formação docente no Brasil que não passe pelo nome de Bernardete Angelina Gatti sairá, de cara, empobrecida pela ausência do olhar – e de tantas pesquisas e interlocuções – de uma das intelectuais mais ativas do país neste tema nas últimas décadas. Pode-se até discordar dela, mas não prescindir de seus pontos de vista.
Atual diretora vice-presidente da Fundação Carlos Chagas, onde orienta o setor de pesquisas, e membro do Conselho Estadual de Educação (São Paulo), esta professora graduada em pedagogia pela Universidade de São Paulo e doutora em psicologia pela Universidade Paris 7, sob orientação de Paul Arbousse-Bastide, um dos docentes franceses que ajudaram a fundar a USP, Bernardete é categórica em suas afirmações.
Acredita, sobretudo, no trabalho coletivo das escolas e nas ações integradas entre estas e as universidades, desde que haja disposição mútua para interlocução. E que as inovações verdadeiramente significativas vêm e virão dessas interlocuções.
Para saber qual formação de professores queremos, não deveríamos antes saber para que educar e qual educação queremos?
Não tenho dúvida disso. Sem uma ideia projetiva da educação básica, discutir a formação de professores fica em cima de pressupostos, ou de alguns conhecimentos objetivos da formação dada atualmente, e daquilo que vem sendo colocado, de modo desarticulado, por vários segmentos da sociedade. Não reconhecemos e nem sempre percebemos como se manifestam os múltiplos olhares e discursos sobre a formação de professores e as demandas da escola. Em geral, ficamos nas grandes dicotomias, mas hoje a sociedade é muito mais heterogênea. Há variadas formas de requisitos para a educação e segmentos sociais que pensam de modo muito divergente.
Poderia dar exemplos?
Há segmentos que acham que a formação acadêmica, na educação básica, deveria centrar-se em dar ao aluno o necessário para trabalhar com conhecimentos científicos, matemáticos, com as questões da vida, da biologia. Defendem uma formação genérica, o que não quer dizer leve. Lembrando, em relação à discussão do currículo, que já tivemos em nossa história, nos anos 80, uma formação mais genérica, com um núcleo duro de disciplinas, mas com flexibilidade para preencher parte desse currículo com questões locais e regionais. Não foi adiante, pois a discussão não se resolveu. Há outros segmentos que defendem que a educação básica deveria ser eminentemente pragmática, ou seja, dar apenas aqueles instrumentos para a vida cotidiana, basicamente língua portuguesa e matemática útil – que trabalhe com aplicações, não a matemática acadêmica ou para formar o pensamento, a lógica. E outros que demandam uma revolução na formação, iniciando-se até mesmo na pré-escola, trazendo os dilemas de ponta do conhecimento para formação tanto de crianças como de jovens e adolescentes. E há outras. Por enquanto, o que está mais em pauta é a ideia de dar uma formação mais genérica, básica, culminando com uma formação mais literária e científica no ensino médio. Tem também outra posição, que propugna que haja um currículo diversificado a partir do ensino fundamental 2. Ou seja, os alunos que têm preferência por formação humanista teriam um currículo diversificado, diferente daqueles que mostram interesse por uma formação mais das ciências exatas, ou de tecnologias. Muitos acham que essa flexibilização deveria começar no 8º ou 9º anos, porque aí o adolescente já começa a manifestar suas motivações e preferências cognitivas.
Qual o melhor caminho?
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Pensei que, com a discussão da Base Nacional Comum, fôssemos chegar a um ponto de consenso, mas essas questões dos diferenciais não foram levantadas. Estamos sempre trabalhando em cima de um modelo já culturalmente incorporado às representações de certas lideranças, e não conseguimos sair disso para ver o conjunto de demandas e concepções presentes para achar um caminho intermediário. As discussões se polarizaram demais.
A Base chega meio atropelada?
Chega sem trazer um pensamento renovador. Precisaríamos pensar a estrutura curricular da educação básica de maneira mais criativa, nos liberando um pouco desses arcanos que existem na cultura desde o século 19. A proposta da educação infantil me parece que supera algumas concepções arraigadas sobre o trabalho com a criança. Mas não vejo isso nos outros segmentos, em que ficamos numa discussão de conteúdos disciplinares específicos. Esse pode ser um ponto de partida, mas não de chegada. Para avançar, seria preciso que grupos diferenciados entrem em um debate mais ampliado, vendo os modelos que daí surgiriam, e trabalhando sobre eles.
Como vê a formação oferecida pe­las universidades públicas pa­ra a docência?
De modo geral, nem as públicas nem as privadas estão realmente formando professores. A crítica às universidades públicas é que elas não faziam uma associação adequada entre as teorizações e as práticas, que é um movimento de interdisciplinaridade, difícil, inclusive para os professores doutores que estão nessas universidades, pois a formação deles é disciplinar, e não interdisciplinar. Como de certa maneira abandonamos os estudos de didática e das práticas de ensino com teorizações adequadas e fortes, eles também não têm onde se apoiar. No Brasil, deixamos de lado essas questões, confundindo didáticas e práticas de ensino com tecnicismo, confusão que estamos começando a desfazer. Não tenho dúvida de que as universidades públicas formam um corpo discente um pouco melhor, pois já trabalham com um grupo selecionado, estudantes que vêm para a universidade com vontade de estudar. E têm um currículo acadêmico bem mais forte. Então, saem com uma formação acadêmica melhor, mas não com uma formação para ser professor.
Como vê as licenciaturas com modelo de formação interdisciplinar, tal como a Faculdade do Sesi/SP está propondo? Não há o risco de faltar a base disciplinar?
A ideia, nesse caso, é partir do problema complexo que emergirá da associação dos conteúdos das disciplinas com os conteúdos da pedagogia, para recuperar o que é da disciplina. É um caminho inverso. Dou um exemplo na formação da medicina. Muitas faculdades hoje têm a base propedêutica que tínhamos e temos em muitos cursos. Ou seja, você tem anatomia, fisiologia, todas essas disciplinas de base, mas que agora já partem para analisar situações-problema. Com esses estudos de caso, o aluno tem de recorrer ao conhecimento disciplinar, mas já com uma visão interdisciplinar. E funciona. A Universidade Harvard, por exemplo, está com uma proposta nessa linha, mas não é a única, pois antes Oxford, na Inglaterra, e outras já fizeram isso. Aqui mesmo já tivemos experiências em Marília e outros lugares com esse tipo de formação. Isso exige que os professores formadores já tenham feito seu caminho disciplinar e interdisciplinar. E não de uma área, mas de duas ou três. Se você vai lecionar história da educação, tem de ter conhecimento da historiografia, da antropologia, da sociologia e trazer essa visão interdisciplinar para a história da educação. Se não, fica ali no fato histórico. Os grandes historiadores dão um salto, porque têm uma cultura interdisciplinar ampliada. Ao professor se poderia dar essa cultura interdisciplinar ampliada. Poderíamos ter cursos que formam a partir de situações-problema. Quando a resolução no 2 de 2015 do Conselho Nacional de Educação propõe que o aluno comece o estágio logo no primeiro ano, não é para ele dar aula, e sim para que possa ver a escola e problematizar a sua realidade, saber o que é ser um profissional professor, de forma concreta. Com isso, pode-se construir um currículo bem diferenciado.
Temos exemplos?
Vi alguns currículos muito interessantes aqui no Estado de São Paulo, houve renovações muito grandes em áreas disciplinares aqui na USP como, por exemplo, filosofia, matemática, física, até na ECA (Escola de Comunicações e Artes), propostas para formar professores de modo diferente. Mas ainda são casos isolados. Na Unicamp, tem um belíssimo programa de licenciatura de física e química, bem feito, bem pensado. Você pode pensar em formações polivantes de diferentes naturezas. A proposta do Sesi caminha nessa direção, mas o projeto ainda não nos dá a ideia do que vai ser o currículo concreto, pois ainda é um projeto em construção.
E na América Latina?
Vi uma abordagem interessante em Buenos Aires. Há um horário das disciplinas-base – antropologia, história da educação, sociologia – só que tem um momento disciplinar, com muitas horas, em que esses professores trabalham com os alunos na observação de escolas e comunidades. Os alunos trazem suas observações e os professores fazem interpretações à luz da sua disciplina sobre aquela situação. E formam um consenso multidisciplinar complexo sobre ela. Os alunos vão aprendendo a olhar as realidades escolares, usando conhecimentos disciplinares, mas com um olhar integrado. Só que isso exige do professor uma dedicação muito grande, pois tem de trabalhar com os outros. E isso é feito nos quatro eixos de formação para o professor. Nas universidades públicas, não seria difícil termos projetos inovadores, pois muitos docentes são contratados em regime de dedicação exclusiva; poderia haver uma presença maior, mais integrada, nas atividades de ensino. Já nas particulares, isso é bem mais difícil, pois veriam isso como custo. Mas não é impossível.
E a proposta do conselheiro do CNE César Callegari de fazer com que todas as faculdades de pedagogia, públicas ou privadas, tenham uma escola, de sua propriedade ou associada?
Não acredito nisso. Essa escola vai ser tão diferente da rede que não servirá de inserção real do professor. Já vivemos isso, com os colégios de aplicação. Defendo que uma faculdade ou universidades que têm licenciaturas deveriam ter convênio com um conjunto de escolas em várias partes do estado ou da cidade, de tal maneira que seus alunos possam percorrer realidades diferentes. É muito diferente estar numa escola pública, mesmo que atenda uma população mais ou menos da mesma natureza, no centro de São Paulo ou em Itaquera. Há culturas diferenciadas de quem está aqui e de quem está lá, inclusive das famílias. Prefiro convênios com as redes públicas que organizassem o estágio e em que se pudesse atuar nas escolas com um projeto compartilhado com elas. No caso dos colégios de aplicação, às vezes a faculdade manda no colégio, aí ele se torna uma exceção da exceção da exceção, começa a selecionar os alunos.
Como definir um currículo nacional de formação docente?
A resolução no 2 de 2015 dispõe sobre isso, está lá a Base Nacional Comum de Formação de Professores. Não está definido nos detalhes, mas estão definidos os conhecimentos importantes que um professor deve ter. Pela legislação, é de alçada do CNE definir as diretrizes nacionais de educação, elas são mandatórias. Todos os estados, municípios, instituições públicas e privadas têm de se alinhar. E aí está a inteligência que vejo nas novas diretrizes, embora sejam um pouco cheias de detalhes argumentativos, mas na essência trazem a possibilidade de ser criativo e, ao mesmo tempo, ter uma diretriz clara. Isso é uma qualidade da resolução. Tomara que as instituições tenham competência e vontade política para mudar a formação de professores. O CNE lançou as bases, todas as instituições terão de começar a adaptação a partir do 2o semestre de 2017. Sei que há mobilizações, pois tenho sido convidada para um monte de coisas, mas não sei se todas o farão. Pela resolução, a formação tem de ser feita em pelo menos 4 anos e 8 semestres, não sei como as particulares vão se adaptar a isso. Uma verdadeira transformação nessa formação só viria se houvesse uma integração entre todas as licenciaturas, num centro de formação de professores, num lócus em que as faculdades de educação, de física e química contribuíssem para formar um profissional professor. É uma coisa que discuto há muitos anos: por que existe uma faculdade de medicina, de engenharia e não existe uma faculdade de formação de professores?
E aí juntaríamos os conhecimentos disciplinares com as ciências da educação…
Isso, não é para dissolver faculdades de educação ou o instituto de base que contribui, mas para juntar e, ao fazer isso, teria de haver uma coordenação vivaz que permitisse a interlocução entre eles e a geração de projetos formativos diferenciados. Como a Base Comum, que é você ter uma cultura ampliada nos fundamentos da educação e uma formação bem assentada em didáticas e práticas de ensino. Se essas competências que estão distribuídas fossem condensadas, teríamos a possibilidade de construir a interdisciplinaridade a partir da disciplinaridade, mas propondo um currículo que renovasse a formação. Isso leva tempo? Sim, mas se começarmos já, teremos o tempo de fazê-la.
Não é preocupante o nível de desistência de jovens docentes em início de carreira?
Dos poucos dados existentes sobre isso, não dá para falar que a maioria desiste. Há grande procura pelos cursos de pedagogia. Claro que muita gente que busca esses cursos não quer ser professor e o curso tem seus problemas para formar alfabetizadores. O que nós não temos é procura para disciplinas como história, geografia, ciências sociais. Há poucos cursos para o tamanho do Brasil. Os gaps são nessas áreas. Agora falando em gestão de educação no nível dos estados e municípios, os professores iniciantes não recebem apoio suficiente para que se sintam com um referencial na rede, apoiados através de material, orientação, suporte, eles é que têm de procurar os colegas para se orientar. Se há um coordenador pedagógico sensível a isso na escola, procura dar esse apoio, essa formação. Mas a desistência não é alta, e vou dizer por quê: os licenciandos que procuram trabalhar como professores provêm de camadas sociais menos favorecidas. O salário de um professor é um diferencial para eles. Não é para a classe média, média alta, mas sim para essa camada ascendente. Ele fica na carreira, pois sabe que dali a cinco anos tem X% de aumento, tem estabilidade. Mesmo nas licenciaturas mais sofisticadas, como física, química, matemática, eles têm um nível socioeconômico menor do que os que procuram outros cursos, é um salto social.
E como anda a formação dos coordenadores pedagógicos? Modernizou-se nos últimos anos?
Teoricamente, sim, pois temos bons autores e boas pesquisas sobre a coordenação pedagógica. Na prática, há muitos problemas. Primeiro porque, se você define que o coordenador pedagógico deva ser aquele que vem da pedagogia, o curso não sabe bem o que forma. O diálogo desse formado com pessoas da história, da matemática, da geografia, mesmo tendo feito alguma especialização em coordenação pedagógica, não é fácil, justamente porque ele não tem uma formação interdisciplinar que lhe permita um diálogo fecundo. Não se sustenta o discurso de que “ah, ele pode ver o aspecto pedagógico”. Não há aspecto pedagógico independente de conteú­do, da linguagem daquela área. São linguagens específicas e, se ele tem dificuldade, não é bem recebido. Em outros sistemas, o coordenador pedagógico pode vir de qualquer área – um professor de matemática ou de história que se candidata ao cargo. Em geral, recebe uma formação continuada para isso. Nesses casos, são muito poucos os professores de outras áreas que se candidatam a ser coordenadores pedagógicos. É mais comum que se candidatem a ser coordenadores de área – ciências, matemática, ciências humanas etc. – nas redes onde isso existe. Nas poucas pesquisas que tenho lido sobre esse tipo de coordenação, ela funciona bem. Não temos ainda uma opção clara de que tipo de coordenação pedagógica queremos ter nas escolas. Defendo que deveria haver um curso de pós-graduação, um mestrado profissional voltado à formação de coordenadores pedagógicos. Aí poderia vir de qualquer área, mas teria uma formação psicopedagógica forte, didática, interligada a diferentes conteúdos, linguagens e lógicas. Essa é a formação que precisaríamos ter, mas para isso precisaríamos de uma indução, em nível federal ou esta­dual, o que demanda financiamento.
Hoje, fala-se muito em metodologias ativas de ensino, como instrução por pares, estudo de caso etc. O que é propriamente novo e o que tem mais potencial de estimular o aluno?
Pois é, há muita novidade que não é novidade, e muita novidade que não funciona na escola. A sala de aula invertida, por exemplo, só pode ser fecundamente utilizada após um tempo de aculturação da criança na vida escolar. Porque ela vem de uma vida familiar, ou comunitária, ou de rua, um tanto indisciplinada, solta, e a vida escolar exige concentração e atenção.
Seria mais para o ensino médio…
Sim, e mesmo assim você teria de ter tanto recurso… A nossa população ainda não tem uma situação socioeconômica e cultural equitativa, somos muito desiguais, a maioria não conta com recursos culturais acessíveis, por mais que use celular. Nos entusiasmamos com coisas que às vezes não têm muita objetividade. Então, desconfio de alguns modismos. São coisas muito deste momento da sociedade contemporânea, da imagem, do novo, ou de travestir de novo algo que não é efetivamente novo.
Mas de todas essas coisas, você destacaria algo que tem mostrado bons resultados?
Vi, por exemplo, de estudos de caso de escolas públicas de Chicago, de escolas públicas na França e na Itália que o que funciona mesmo é uma equipe escolar mais fixa, mais perene, que compartilha um período maior dentro da escola. Nos EUA há vários estudos de caso que mostram isso. Esse compartilhamento deve ter um sistema de apoio bem desenvolvido – não de imposição, de apoio –, com material pedagógico, possibilidades. E deixar a comunidade ser criativa. A inovação em geral é produzida em pesquisas que a universidade faz e propõe. Por exemplo, tivemos o Pibid. Não foi tudo, mas a maioria dos projetos trouxe inovações importantes, em termos de construção e teste de material didático, de organização de feiras de ciências com novos modelos. Quando você dá condições e põe interlocutores qualificados, há criatividade nesse universo. A chave é criar condições para compartilhamentos efetivos, no caso da escola com equipes fixas, e no caso da universidade, de os professores conversarem, manterem uma interlocução constante – para definir currículo, quem vai trabalhar com o quê. Tem professor que nem sabe o currículo de formação docente da sua escola. Vai lá e apenas dá a sua aula.

Como funciona o bem-sucedido ensino técnico da Alemanha

'Sistema dual alemão, baseado em parceria com as empresas, exige boa formação tanto dos docentes de aulas teóricas como dos instrutores práticos'

Um dos países em que o ensino profissionalizante é, reconhecidamente, dos mais bem estruturados no mundo, a Alemanha não oferece um caminho fácil para quem quer se tornar docente na modalidade. Porém, aqueles que conseguiram trilhá-lo e chegar à docência na educação profissional dizem que o esforço vale a pena, corroborando a cultura germânica da recompensa à dedicação.
Isso acontece porque a etapa é a grande vedete da educação alemã. O sistema dual, onde estudam 90% dos alunos da educação profissionalizante, é uma referência de qualidade para outros países, sejam do 1o ou do 3o mundo, pois consegue formar alunos de bom nível de instrução tanto no que tange à cidadania, como também no que diz respeito a seus atributos para o mercado de trabalho. Talvez em especial nesse segundo quesito.
Para se ter uma ideia da potência da modalidade, 54% da força de trabalho de todo o país vem do ensino profissionalizante. Segundo o Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis), 2,5 milhões de alunos cursam atualmente a modalidade. Além disso, não apenas o Estado mas também as empresas têm um papel decisivo na formação do docente, o que coloca a profissão no centro de um sistema educacional organizado para ser a grande base de desenvolvimento econômico da Alemanha, num modelo com bons níveis de integração.
E, sim, as empresas têm voz e influência até mesmo nos currículos de formação docente. Para entender as motivações desse processo, é preciso antes conhecer o perfil do docente do ensino profissionalizante alemão. A docência do ensino técnico no país está dividida, basicamente, em duas figuras: o professor e o instrutor.
O primeiro é responsável pelas aulas teóricas, seja de disciplinas gerais, como alemão e inglês, ou específicas da área técnica. Já o instrutor é responsável pela parte prática. Só que esse tipo de docente não ensina na escola e não é contratado pelo Estado. Ele é um profissional de uma empresa privada.
No sistema dual, os alunos passam apenas entre um e dois dias na escola, aprendendo teoria com professores. No restante da semana, recebem treinamento prático em uma empresa, a título de estagiário remunerado. Ou seja, o instrutor é a figura responsável por ensinar, acompanhar e avaliar o aprendizado e desempenho do estudante durante a maior parte do seu curso no ensino técnico.
► Empresas em parceira com o Estado

A principal diferença do ensino técnico alemão em relação ao resto do mundo é a participação e influência das empresas em todos os passos da formação de um aluno dessa etapa do ensino.
Se hoje o ensino técnico é o grande motor da economia alemã, foi há mais de 40 anos que as mudanças começaram. Mais precisamente em 1970, com a fundação do Instituto Federal de Formação Profissional (Bibb).
O órgão, subordinado ao Ministério da Educação e Pesquisa, é composto por membros de associações patronais, sindicatos de trabalhadores e representantes do Estado. Em conjunto eles definem e atualizam currículos, elaboram regulamentos e garantem que o aluno está recebendo a educação certa para entrar no mercado de trabalho e ser o tipo de profissional de que o mercado precisa.
As atualizações de currículo costumam acontecer a cada 5 anos. Caso um currículo seja considerado defasado por alguma empresa, ela pode pedir no Bibb uma mudança. “Essa petição é discutida com todos os membros da área. Quando se chega a um consenso, as mudanças são feitas sem perder tempo”, explica Diana Cáceres-Reebs, diretora do Bibb.
Por esses motivos não há lei que exija a participação das empresas no sistema dual. Todas as 447 mil que fazem parte são voluntárias. Elas são responsáveis por 564 mil vagas preenchidas e arcam com todas as despesas do aprendiz, que recebe em média 800 euros (R$ 3.200) por mês para aprender enquanto trabalha.
► Tornando-se um professor

Qualquer pessoa que quiser se tornar-se professor do ensino técnico alemão precisa ter um diploma universitário. Há uma pequena exceção, para os chamados “professores práticos”, que dão aulas-suporte específicas na escola a alunos que precisam de reforço. Ainda assim, esse profissional, que é uma minoria no cenário, precisa ter se formado em uma escola técnica, deve ter experiência de vários anos na profissão, passar por um exame de competência e frequentar um curso sobre pedagogia antes de poder ter acesso à sala de aula.
Para a maioria, o caminho é composto por três fases. A primeira envolve o curso universitário, no qual o futuro professor precisa atender disciplinas correspondentes à área que pretende seguir. Mas para escolher a área que deseja é necessário, além do certificado que permite a entrada na universidade, ter experiência ou treinamento comprovado na área. Assim, essa medida faz com que o perfil dos professores de ensino técnico na Alemanha seja de ex-alunos do sistema dual que resolveram seguir a carreira docente.
Além das aulas da área principal, o universitário também precisa frequentar aulas de psicologia e pedagogia. Algumas áreas de estudo e estados do país também exigem que tenha uma experiência prática, dando aulas.
Todo esse período costuma durar entre quatro e cinco anos e é concluído somente após o estudante passar por um exame organizado pelo Estado, que avalia o nível de aprendizagem.
A segunda fase é um estágio probatório, conhecido como Referendariat, no qual o novo professor acompanha as aulas de outros professores, ensina com a companhia de um veterano e, no final, dá aulas sozinho em escolas designadas. Essa fase dura entre um e dois anos e só é concluída quando o professor passa por um segundo exame organizado pelo Estado.
A terceira e última fase dura até o final da carreira do professor e consiste em garantir que o docente receba formação continuada enquanto estiver exercendo a profissão.
Cada um dos Länder, a versão alemã dos estados, é responsável pela formação continuada de seu corpo docente e as regras e objetivos são expressos por lei. Ou seja, a atualização de um professor de ensino técnico na Alemanha não é somente incentivada, como também obrigatória. Só que, em contrapartida, o Estado é obrigado a assegurar a oferta de capacitação.
Os cursos dessa fase da formação acontecem em institutos estabelecidos pelos estados, porém subordinados ao Ministério da Educação. As escolas também precisam organizar eventos. Há grupos de estudo, seminários, colóquios e cursos de formação a distância, em geral com conteú­dos que abordam novas tecnologias, atualização pedagógica e mudança de currículos.
► Formação do instrutor

No caso da formação do instrutor não há exceção de ordem alguma. Todos são obrigados a ter diploma universitário. Mas, dependendo do tamanho da empresa responsável pela contratação do estudante, esse profissional pode ter mais de uma função.
Em empresas pequenas, que contam com poucos estagiários, geralmente há um profissional que adquire também a função de instrutor. Já em grandes empresas, há departamentos e profissionais específicos que são responsáveis somente pelo treinamento.
Só que, seja primeira ou segunda função do profissional, o caminho para ser instrutor também é bastante restrito. Conforme o Ato de Educação Vocacionada e Treinamento, uma lei federal, instrutores precisam ser considerados competentes na área em que atuam e na capacidade de ensinar.
E para que essa qualificação seja atestada, é necessário ser aprovado em um exame que avalia tanto a competência específica, formal, na área quanto o conhecimento de teorias educacionais. Como muitos instrutores começam atuan­do em outra função, é comum as próprias empresas pagarem pelo treinamento para que eles passem a dominar os conteúdos voltados ao ensino.
Já a formação continuada não é uma obrigação prevista em lei para os instrutores. Porém, como eles estão diretamente ligados ao mercado, onde sempre há grande demanda por inovação, a atualização acaba se tornando inerente ao ofício, especialmente quando trabalham nas grandes empresas, que costumam organizar cursos nos próprios departamentos.
► Treinamento de qualidade

E para os que pensam que dessa maneira os alunos do ensino técnico alemão podem ficar relegados a maior parte do tempo a um docente sem tempo para ensinar com competência, ou que empresas aproveitam a brecha e acabam colocando jovens estagiários no lugar de profissionais com mais tempo de estrada, a diretora de projetos de cooperação do Instituto Federal de Formação Profissional (Bibb, em alemão)Diana Cáceres-Reebs garante que essas possibilidades não estão no horizonte da educação germânica.
De acordo com a diretora, há vários motivos que sustentam o interesse das empresas em fornecer o melhor treinamento possível (leia texto na pág. 45), mas a supervisão formal é feita pelas Câmaras de Indústria e Comércio (IHK, na sigla em alemão). Essas câmaras são responsáveis por monitorar a qualidade do treinamento nas empresas, seguindo as diretrizes do Treinamento para Aptidão do Treinador.
Diana Cáceres-Reebs ressalta ainda um ponto que acredita estar entre as chaves para que o sistema dual alemão tenha há tanto tempo o êxito que vem tendo. “Competência na Alemanha é vista como uma ação integral que se refere à capacidade e vontade de todos em comportar-se de forma atenciosa e socialmente responsável”, explica. Ou seja, trata-se de uma engrenagem que, para funcionar, precisa assegurar-se de que todas as peças que a compõem estarão devidamente preparadas para desempenhar sua parte.
Tranquilidade para lecionar

Benjamin Döhler é um professor do sistema dual da Alemanha. Formado em economia, foi aluno do próprio sistema e trabalhou em um banco enquanto era aprendiz. Atualmente ele dá aulas de negócios e inglês na FLB na cidade de Bonn, antiga capital do país, posto que ocupou até a reunificação das duas Alemanhas.
A escola tem 2.700 alunos e Benjamin ministra oito aulas por semana, em classes que têm entre 20 e 25 alunos. Suas horas-aula, assim como as da maioria dos outros professores, não ultrapassam 20 horas semanais. O restante é para organizar conteúdos e outras atividades.
O professor está bastante satisfeito com a carreira. Sempre mesclando tranquilidade e animação em sua fala, ele afirma que o salário é bom e que não vê motivos para um segundo emprego. “Na realidade, acho que aqui se quisermos um segundo emprego precisamos pedir autorização do governo. Mas não lembro de nenhum colega que tenha ou queira isso”, comenta.
Suas aulas são sempre baseadas no que os alunos podem encontrar no ambiente de trabalho, para tentar tornar a teoria mais atraente, algo nem sempre tentador para alunos do ensino técnico.
Para Benjamin, é exatamente o fato de oferecer ao aluno a possibilidade de teorizar na escola sobre aquilo que coloca em prática em suas imersões no trabalho que faz do dual um sistema único. “Gostava muito disso quando era estudante. Por exemplo, se aprendia sobre os detalhes dos cheques em um dia, no seguinte os estava processando no banco. É isso que faz a diferença”, conclui.
► Um sistema diferente

Diferentemente do que ocorre no Brasil, na Alemanha nem todos os caminhos do ensino secundário permitem aos alunos o ingresso posterior em universidades. Com pequenas variações entre os 16 estados, cujos sistemas educacionais são autônomos, as crianças ingressam em um dos três tipos de escola do secundário por volta dos 12 anos. Para a definição de que escola frequentará, o aluno depende de seu desempenho no ensino fundamental e de uma avaliação conjunta entre família e educadores.
Nas Hauptschulen, porta de entrada para o futuro ingresso no ensino profissionalizante, os alunos recebem uma formação mais geral, durante um período de cinco a seis anos; nas Realschulen, que não existem em todos os estados, essa formação básica é mais sofisticada, dando acesso a cursos tecnológicos ou a centros universitários; finalmente, nos Gymnasien, o aluno permanece por mais anos, ao final dos quais pode ter acesso às universidades, sendo que aqueles que têm melhor histórico escolar conseguem frequentar as melhores escolas.

Fonte: http://www.revistaeducacao.com.br

domingo, 7 de agosto de 2016

De tempos em tempos a plutocracia brasileira tenta um golpe

''O Brasil é palco de uma disputa entre o sonho de um país para a maioria e o uma elite da rapina que quer drenar as riquezas do país para o bolso de meia dúzia.''

A plutocracia brasileira (os 71.440 mil milhardários segundo o IPEA) possui pouca fantasia. Usa os mesmos métodos, a mesma linguagem, o mesmo recurso farisaico do moralismo e do combate à corrupção para ocultar a própria corrupção e dar um golpe na democracia e assim salvaguardar seus privilégios. Sempre que emerge uma democracia com abertura ao social se enchem de medo. Organizam um conluio de forças que envolve setores da política, do judiciário, do MPF, da PF e principalmente da imprensa conservadora e até reacionária como é o caso do conglomerado de O Globo. Assim fizeram com Vargas, com Jango e agora com Lula-Dilma. A sessão de 04/08/ no Senado, mostrou a farsa montada pela oligarquia que usou os senadores como os soldados civis previamente bem instruídos, para aplicar um funesto golpe contra a razão sensata e contra democracia.

Numa entrevista à Folha de São Paulo (24/04/2016) escreveu acertamente Jessé Souza, autor de um livro que merece ser lido, também com certa crítica, “A tolice da inteligência brasileira”(Leya 2015):”Nossa elite do dinheiro nunca sentiu compromisso com os destinos do país. O Brasil é palco de uma disputa entre esses dois projetos: o sonho de um país grande e pujante para a maioria; e a realidade de uma elite da rapina que quer drenar o trabalho de todos e saquear as riquezas do país para o bolso de meia dúzia. A elite do dinheiro manda pelo simples fato de poder “comprar” todas as outras elites”(Quem deu o golpe e contra quem).

No atual processo de impeachment à Presidenta Dilma contam com um aliado poderoso: o complexo jurídico-policial do Estado que substitui as baionetas. O vice Presidente usurpou o título de Presidente e montou um ministério de pantomima com vários ministros corruptos e reduzindo os ministérios, da cultura, da comunicação e da secretaria dos direitos humanos, dos negros e das mulheres, cortando de forma criminosa verbas da saúde, da educação, atacando os direitos dos trabalhadores, o salário mínimo, a legislação trabalhista, as aposentadorias e outros benefícios sociais, inaugurados pelos dois mandatos anteriores.

Por trás do golpe parlamentar estão estas forças citadas por Jessé Souza. Bem disse o Papa Francisco à Letícia Sabatella quando junto com uma famosa jurista teve, há dois meses, um encontro com o Papa em Roma, relatando a ameaça que corre a democracia brasileira. O Papa comentou:”esse golpe vem dos capitalistas”.

O fato é que estamos todos cansados de tanta corrupção, justamente denunciada e das delongas no processo do impeachment.

Ninguém sabe para onde estamos indo. Algo parece ficar claro que o design social, montado a partir do colonialismo e do escravagismo com as castas de endinheirados que se firmaram no poder seja na sociedade seja nos aparatos do Estado está chegando ao seu fim.

Em momentos de obscuridade como os atuais precisamos de uma grelha teórica mínima que nos traga luz e alguma esperança. Para mim serve como orientação Arnold Toynbee, o ultimo historiador inglês a escrever dez volumes sobre a história das civilizações. Para explicar o nascimento, o desenvolvimento, a maturação e a decadência de uma civilização usa uma chave extremamente simples mas esclarecedora:”o desafio e a resposta”(challenge and response).

Diz Toynbee: sempre há crises fundamentais no interior das civilizações. São desafios que exigem uma resposta. Se o desafio for maior do que a capacidade de resposta, a civilização entra num processo de colapso. Se a resposta é excessiva face ao desafio, surge a arrogância e o uso abusivo do poder. O ideal é encontrar uma equação de equilíbrio entre o desafio e a resposta de forma que a sociedade mantenha a sua coesão, enfrente positivamente novos desafios e prospere.

Voltando ao caso do Brasil: os grupos do dinheiro e do poder não conseguem dar uma resposta ao desafio que vem das bases que nos últimos anos cresceram enormemente em consciência e em reclamos de direitos. Eles, por mais que manipulem dados sabem que dificilmente voltarão ao poder central pela via da eleição. Daí a razão do golpe. Desmoralizados, não têm nada a oferecer ao novo Brasil que escapa de seu controle. Jânio de Freitas na FSP de 04/08 disse bem:” O impeachment é uma grande encenação. Uma hipocrisia política de dimensões gigantescas, que mantém o Brasil em regressão descomunal, com perdas só recompostas, se o forem, em muito tempo –as econômicas, porque as humanas, jamais”.

Apesar disso tudo, o legado da atual crise será provavelmente o surgimento de um outro tipo de Brasil, de democracia, de Estado, de formas de participação popular.

A dores do tempo presente não são as dores de um moribundo nas vascas da morte, mas as dores de um parto de um outro tipo de Brasil, mais democrático, mais participativo e mais sensível para superar a pior chaga que nos envergonha: a abissal desigualdade social. Um Brasil finalmente mais humano onde podemos ser singelamente felizes.

Leonardo Boff é articulista do JB on line e autor de “Depois de 500 anos que Brasil queremos”, Vozes 2000.

sábado, 23 de julho de 2016

PROGRAMA CUBANO REVOLUCIONOU A EDUCAÇÃO NA BOLÍVIA

O programa 'Yo Sí Puedo', importado de Cuba, conseguiu reduzir a taxa nacional de analfabetismo de 13,28% em 2011 para 3,8% em julho de 2014 - ensinou mais de um milhão de adultos a ler e escrever.

Por Fellipe Abreu e Luiz Felipe Silva, da Bolívia (texto e fotos)



"Ler e escrever era proibido. Eu morava no sítio em que meus pais trabalhavam e o patrão dizia que se eu fosse à escola cortaria minha língua." A história é lembrada pelo ex-policial Quintim Pulma, 83, vestido elegantemente em um paletó um tanto quanto surrado e um chapéu preto, o que concede ao simpático senhor um ar ainda mais altivo. "Hoje, sim, eu posso estudar para provar para eles que eu sou capaz", afirma após se levantar e se apresentar em nome de seus 38 colegas de estudo, todos idosos, do grupo rural de alfabetização da cidade de El Alto, vizinha à capital boliviana La Paz. 

O grupo de quase 40 estudantes da terceira idade é uma síntese dos mais de um milhão de adultos alfabetizados desde a implantação do programa Yo Sí Puedo (Sim eu posso, em tradução livre) na Bolívia, em 2006. A maioria é formada por mulheres, de origem rural, pobres, e acima de 50 anos. Foi focando neste perfil que o programa conseguiu reduzir a taxa nacional de analfabetismo de 13,28% em 2001 para 3,8% em julho de 2014. Este índice, certificado pela metodologia de fiscalização da Unesco, é suficiente para que o Estado Plurinacional da Bolívia seja reconhecido como um país livre de analfabetismo - o limite, para a Organização das Nações Unidas, é de 4% -, o que aconteceu em julho de 2014, quando a Unesco declarou oficialmente a entrada da Bolívia na ilustre lista de países que erradicaram o analfabetismo. Atualmente a taxa de analfabetismo no país é de 3,2%, segundo dados de março de 2015 do governo boliviano. 

► Baixo custo

A meta foi estabelecida como prioridade assim que o líder indígena Evo Morales foi eleito presidente pela primeira vez, em 2006. Atualmente ele cumpre seu terceiro mandato consecutivo, que dura até 2020. Ao tomar posse pela primeira vez, Morales estreitou relações diplomáticas e ideológicas com os chefes de Estado de Cuba, então Fidel Castro, e da Venezuela, o falecido Hugo Chávez. Da coalizão entre os "líderes bolivarianos" nasceu o projeto. A Venezuela colaborou com aporte financeiro e Cuba cedeu material e profissionais para implementá-lo na Bolívia. Além da própria metodologia Yo Sí Puedo, desenvolvida pela histórica pedagoga cubana Leonela Relys, falecida em janeiro de 2015. De acordo com os dados oficiais cubanos, o método já alfabetizou mais de oito milhões de pessoas em 30 países diferentes (leia mais sobre o método no box).

Na Bolívia, a primeira fase do programa durou apenas dois anos, mas foi a mais intensa e bem-sucedida. Entre 2006 e 2008, a Brigada Cubana-Venezuelana chegou em peso com recursos materiais como TVs, videocassetes, livros, apostilas etc., e técnicos, sobretudo professores, para treinar os mestres bolivianos e na adaptação das cartilhas ao contexto sociocultural do país - como, por exemplo, a tradução para cinco idiomas indígenas, caso do quéchua e do aimará. Nestes dois anos, o milagre aconteceu: a taxa de analfabetos caiu a 3,7% sob um custo operacional muito baixo, de 18 milhões de pesos bolivianos por ano, equivalente a pouco mais de R$ 7 milhões anuais - valor este mantido até hoje.

O programa então foi incrementado com sua segunda etapa, o Yo Sí Puedo Seguir. Neste segundo passo, os alunos já então alfabetizados - processo este que dura, em média, de três a seis meses - iniciam um ciclo de dois anos para se aprofundar em leitura, escrita e matemática, passando por bases das ciências naturais, e se formam no primário. Na Bolívia, o equivalente aos ensinos fundamental e médio (três anos) é proposto em dois ciclos de seis anos, o primário e o secundário.

► Foco no professor

Em 2012 veio o revés: o Censo daquele ano confirmou um aumento de 5,02% no número de analfabetos, índice que tirou a Bolívia do seleto grupo das nações sem analfabetismo. "Demos muita atenção ao programa de pós-alfabetização e negligenciamos esforços na alfabetização. Essa pesquisa nos mostrou que não se pode descuidar nunca", explica o ministro da Educação, Roberto Aguilar Gómez. Lição aprendida, o Ministério precisou investir mais no programa. Com o orçamento já estabelecido, a decisão foi aumentar o engajamento do professor, que no Yo Sí Puedo é chamado de "facilitador".

Como em qualquer programa de educação sério, a figura principal é a do professor. Neste caso, é ainda mais: os cerca de 18 mil facilitadores não recebem um centavo pelo trabalho de alfabetização. A recompensa é dada em benefícios como um plano de carreira bem estruturado, que prevê um salário mensal inicial de US$ 300 e um teto, a partir de 20 anos de profissão, de US$ 1.200. Há, principalmente, duas formas para os professores recuperarem o tempo investido no programa: aqueles que já dão aulas regulares sobem de nível (e de salário) a cada cinco anos, mas quem trabalha também como facilitador tem o tempo reduzido pela metade; outro caso é dos professores em começo de carreira, momento em que são exigidos dois anos de experiência na província (em regiões rurais do país) e para não precisarem sair de suas cidades, podem realizar esses dois anos no programa de alfabetização.

A partir de 2012, o governo passou a ser mais maleável quanto à concessão dos direitos e a permitir formatos de aulas ainda menos ortodoxas. Entre os professores aceitos no programa está Keyla Guzmán Vélez, que mora com o marido e o filho de três anos ao lado do Mercado Rodriguez, em um bairro de classe média de La Paz. Ela propôs e insistiu em um modelo de aula individual para cada uma de suas alunas (e seu único aluno homem) durante o horário de funcionamento do Mercado (termo em espanhol para feira de rua), entre suas barracas, frutas e legumes que as senhoras vendem.

► O programa nas ruas

Há duas maneiras de se formarem grupos do Yo Sí Puedo. Uma associação de cidadãos, como moradores de um bairro ou trabalhadores de alguma categoria, se reúnem e congregam pelo menos dez pessoas dispostas a estudarem. Levam, então, a proposta de grupo, com horário e local de aulas incluídos, para o comitê de alfabetização local - há pelo menos um em cada cidade do país - e o comitê procura um facilitador. Este é o modelo que gerou o grupo de idosos que abre esta reportagem.

Outra forma de um grupo de alfabetização nascer é a partir da vontade de um professor de formar uma classe. É o caso da citada professora Keyla, pioneira no modelo de aulas individuais. Recém-formada na graduação de "professora normalista titulada", como é chamado na Bolívia, Keyla optou pela carreira de professora quando o filho Josué ainda era bebê. Para ter direito à licença profissional, ela teria de prestar os dois anos de "província", quando o professor é obrigado a sair da cidade e dar aula no interior, e, consequentemente, se afastar do marido e, talvez, do filho. Decidiu, então, cumprir esses anos como facilitadora do programa contra o analfabetismo, mas teria, ela mesma, de encontrar seu grupo. E encontrou comprando maçãs.

A rua em que mora faz esquina com uma das maiores feiras de rua de La Paz. Notou que aquelas senhoras que passavam dois terços de seus dias trabalhando não sabiam ler, escrever e faziam contas abstratamente. Pronto: teria seu grupo de alfabetização à porta de casa. Não era, todavia, tão simples. As senhoras iniciavam suas atividades no Mercado Rodriguez às 5h da manhã e deixavam o local apenas às 19h, ou seja, dedicavam quase todo o seu dia ao trabalho. Resultado: não toparam formar classes após a jornada de trabalho ou abrir mão do horário de vendas - que mesmo tão longo, rende somente cerca de 200 pesos bolivianos (aproximadamente R$ 90 reais) por dia a cada uma.

"É preciso entender a rotina, a realidade da vida dessas mulheres. Elas acordam de madrugada, deixam os filhos sozinhos, trabalham realmente o dia todo e ainda precisam voltar para fazer as atividades de casa", explica Keyla. "Compreendi que sou eu que tenho de me adaptar a elas, e não o contrário", conclui. Então começou sua peregrinação, subindo e descendo a feira para encontrar quem topasse as aulas em um modelo flexível. Final feliz: um senhor e 25 senhoras aceitaram. Então, Keyla combinou com cada um a melhor hora para o atendimento e todos os dias percorria o mesmo percurso com uma lousa na mão e apostilas em uma bolsa. Parava 20 minutos em uma barraca, uma hora em outra, ensinava subtração aqui, vogais acolá, tudo entre cebolas, cenouras, maçãs e as onipresentes batatas. "Eu trabalho desde os oito anos. Meus pais morreram quando eu era criança e tive de trabalhar, e trabalho muito até hoje. Só pude começar a estudar por causa da nossa maestra, ela que veio até nós", conta Paulina Flores, alfabetizada aos 49 anos e que, agora, vislumbra realizar o sonho antigo de entrar em uma universidade e se formar fisioterapeuta.

Seja nos grupos grandes, como de El Alto, seja nas aulas individuais, como do Mercado Rodriguez, há algo de fundamental para o programa funcionar: dedicação dos alunos. As aulas não ocorrem todos os dias, então é preciso que os alunos sigam em casa todo o programa determinado pelos facilitadores e pela cartilha. O curso de alfabetização exige leitura diária, assim como a prática de operações numéricas de soma e subtração e exercícios de caligrafia. Na pós-alfabetização, curso que hoje contempla a maior parte dos alunos do programa, já se caminha em direção à interpretação de textos mais longos, à elaboração de frases complexas e à execução de multiplicação e divisão, além de noções básicas de geografia, história e biologia.

► Sistema de educação alternativa

O próximo passo, agora, é propor uma alternativa para que esses adultos possam seguir estudando. "É frustrante para eles chegarem até aqui, terem esperança de prosseguir e depois dependerem de colégios comuns para estudar", desabafa Keyla. "A alfabetização e a pós-alfabetização não são áreas de trabalho isoladas do sistema educativo, são parte da estrutura da educação alternativa, que é um subsistema dentro do sistema educacional boliviano. Muitos alunos que terminaram a alfabetização e a pós-alfabetização se incorporaram a programas de educação secundária de adultos. No ano passado, muitos desses estudantes conseguiram seus diplomas do ensino secundário, o que lhes dá a possibilidade de seguir os estudos em nível universitário", contrapõe Noel Aguirre, vice-ministro de Educação Alternativa da Bolívia. Segundo Noel, quando se trata de educação de adultos devem existir programas específicos para cada tipo de necessidade. No ano passado, a Associação de Trabalhadoras do Lar os procurou com um pedido: queriam se formar no ensino secundário, mas só tinham disponibilidade nas manhãs de domingo, quando não trabalham. "Nós adequamos o sistema e agora existem grupos de trabalhadoras do lar que estão estudando aos domingos", diz Noel.

Além disso, com o objetivo de adaptar ainda mais o programa à população boliviana, o governo concebeu projetos alternativos para incentivar os alunos a continuar em contato com os estudos, como é o caso das bibliotecas comunitárias, que são criadas próximas aos pontos de alfabetização espalhados pelo país, para que mesmo depois de formado o estudante não perca contato com a leitura. "Há dois anos realizamos o Festival Nacional de Canção Popular, que tem como objetivo que os participantes escrevam suas próprias músicas. Os melhores do país são trazidos a La Paz no Dia Internacional da Alfabetização (8 de setembro), quando eles têm a possibilidade de gravar suas músicas em estúdio. Além do resultado cultural, de valorizar as músicas típicas de cada região do país, esse projeto também se transforma em material educativo de apoio aos novos grupos de alfabetização e pós-alfabetização", conta Ramiro Tolaba, diretor-geral do programa de pós-alfabetização.

Avançar é a palavra de ordem na Bolívia. O avanço educacional é evidente, mas é preciso mais modelos de educação alternativa para permitir que o sonho de ler e escrever realizado por Dom Quintim e Doña Paulina sejam apenas o primeiro de tantos.

► Combatendo a evasão escolar

A educação infantil foi também prioridade no programa para erradicar o analfabetismo na Bolívia. O alto investimento em educação (8,7% do PIB, o maior da América Latina) é para que até 2025 o número de analfabetos no país esteja controlado entre 1% e 2%, índice atrelado a outro objetivo: atingir 100% de presença de crianças na escola. O caminho para isto tem nome: Juan Manuel Pinto.

O Bônus Juancito Pinto homenageia um herói boliviano que foi à Guerra do Pacífico com apenas 12 anos. Sua função é semelhante ao do Bolsa Família no Brasil: gratifica monetariamente as famílias que mantêm seus filhos na escola. O valor de US$ 30 é pago anualmente (no mês de outubro) para cada criança que comprovar cumprimento integral do ano letivo.

O resultado já veio: a taxa de abandono escolar caiu de 6,5% em 2005 para 1,7%, segundo dados de 2013. Na educação primária, a meta está em vias de ser atingida, com 99% de cobertura, mas no infantil e secundário, ainda falta: ambos estão com cerca de 70% de alunos com idade adequada.

► Relato de reportagem: uma nova chance para escrever a história da Bolívia

Apesar de ser uma vizinha próxima, a Bolívia é, na verdade, completamente diferente do Brasil em termos de cultura. Isso apenas começa a explicar o quão difícil é fazer uma reportagem como essa neste país tão pobre e tão amável.

Desde o começo, a lógica é diferente: para ter acesso aos grupos de alfabetização e às autoridades, é preciso mandar uma carta (sim, por correios) e aguardar a resposta oficial - que nunca veio. Chegamos lá, com a vontade de dar voz a essa gente que está pela primeira vez recebendo a atenção do Estado que faltou em suas vidas inteiras e, na raça e na vontade - e depois de muito chá de cadeira - conseguimos os acessos.

Iniciou-se, então, uma das mais impactantes experiências que vivemos como jornalistas até então. Não bastasse a história de dedicação da professora Keyla, que lutou até conseguir que seu método de aulas individuais fosse aceito e que pinçou uma a uma suas alunas - história essa que por si só já valeria a matéria e a ida à Bolívia -, conhecemos ainda um grupo de 39 idosos em processo de alfabetização.

Depois de quase duas horas de viagem até El Alto, o carro estacionou e vimos aquelas quase quatro dezenas de senhores e senhoras vestidos impecavelmente para mais uma de suas aulas. Arriscamos um cordial "buenas tardes, amigos" e, em contrapartida, fomos surpreendidos: todos, um a um, e mesmo aqueles com dificuldades de locomoção, se levantaram e nos deram um beijo e um abraço. Ouvimos de cada um deles um "gracias" por simplesmente estarmos lá.

Don Quintim Pulma veio até nós, como uma espécie de representante daquele grupo, para entender nossas motivações. Convencido de que estávamos lá para dar voz a eles, desabafou sobre sua infância pobre, sobre as ameaças que o proibiram de estudar e, emocionado, após dizer que havia estudado apenas para provar "a eles do que é capaz", concluiu: "já posso morrer em paz."

A aula nos permitiu ver que o método é eficiente, mas não milagroso. Funciona melhor com aqueles que já tiveram empregos que exigiram mais do lado intelectual ou que frequentaram esporadicamente a escola. E, sobretudo, funciona para os mais disciplinados: a lição de casa regular é fundamental para o bom andamento do curso. Todos se formam, mas alguns com muito mais condição de seguir que os demais. É, antes de mais nada, um programa para dar auto estima a esses adultos e idosos. Sentem-se mais valorizados, sentem-se, pela primeira vez na vida, parte de uma sociedade que os olha com atenção.

Voltamos a entender a Bolívia: é um país predominantemente indígena que foi governado por uma elite financeira e/ou militar até a ascensão de Evo Morales à presidência. Com erros e acertos, foi uma virada histórica para os povos vulneráveis do país. Os índios pobres que não podiam estudar quando crianças, agora podem aprender depois de velhos e até sonhar com um diploma universitário.

A partir deste momento em que a comunidade se abriu tanto para nós, ouvimos, lá do fundo da classe, uma senhora dizer: "No se percam", algo como "não nos esqueçam" - os olhos molharam e a voz tremeu. "No vamos perder", respondemos. E aqui está a reportagem, para que nem nós, nem vocês, esqueçamos deles.

► Leonela Relys: a madrinha da alfabetização

O nome de Leonela Relys Díaz está escrito nas cartilhas de pelo menos 30 diferentes nações, entre eles diversos países latinos (incluindo aí o Brasil) e africanos e até mesmo a Espanha e a Nova Zelândia. A pedagoga cubana é a principal responsável pelo desenvolvimento do método Yo Sí Puedo, que alfabetizou mais de 8 milhões de pessoas, de acordo com os dados oficiais de Cuba.

Leonela nasceu na cidade de Camagüey em 1947 e, ainda prestes a completar 15 anos, participou da primeira campanha de alfabetização da ilha sob regime comunista. Sete anos depois se graduou "maestra", carreira que seguiu nas salas de aula e na academia, até se formar doutora em ciências pedagógicas pela Universidade de Havana. Passou, então, 20 anos na direção nacional de estudos para adultos de Cuba - período em que desenvolveu uma série de projetos que serviriam de base para sua obra prima.

Após dois anos trabalhando com alfabetização no Haiti, retornou à terra natal com a missão de criar a cartilha de um programa massivo ensinar a ler e escrever em Cuba e que pudesse ser exportado. No mesmo ano, 2001, o Yo Sí Puedo foi colocado em prática da forma como o conhecemos. Seu trabalho foi reconhecido como Heroína da República em Cuba e também pela Unesco com a honraria com o Prêmio Alfabetização Rey Sejong, em 2006. Vítima de câncer, a pedagoga faleceu em janeiro de 2015.

► Yo Sí Puedo: o método

O programa de alfabetização regido da maneira original como proposto por Leonela Relys se completa após 65 aulas, divididas em três etapas primordiais: treinamento (10 aulas), ensino de leitura e escrita (42 aulas) e consolidação (13 aulas). As classes são ministradas por professores-facilitadores com o apoio de cartilhas e material audiovisual - cada país produz seu próprio modelo de conteúdo de acordo com a cultura local, mas atendo-se ao programa original cubano. Não há tempo mínimo e máximo para a graduação, embora o período considerado ideal seja de três meses.

Na primeira etapa (treinamento), os alunos são preparados a partir de suas capacidades orais e psicomotoras para iniciar o trabalho de leitura e escrita e, também nessa fase, são apresentadas as vogais e é feita a relação das letras com os números, símbolos geralmente já conhecidos dos alunos (A equivale a 1, B equivale a 2 e assim por diante).

No ensino de leitura e escritura avança-se na relação entre letras e números, formando sílabas e palavras. Neste momento do projeto, cuida-se com atenção do estudo das letras em si e dos fonemas. Encerra-se o ciclo com a consolidação, que é autoexplicativa: são propostos exercícios de fixação do que foi aprendido, como relacionar imagens e palavras, construção e compreensão de frases mais complexas e redação.

Estudantes aptos, então, seguem para o programa de pós-alfabetização Yo Sí Puedo Seguir.