domingo, 24 de maio de 2015

7 desafios para quem quer criar uma startup de educação

Por Carmen Guerreiro

Alexandre Sayad, do Media Education Lab
Em palestra na Bett Brasil Educar, Alexandre Sayad, do Media Education Lab, dividiu sua experiência como empreendedor da área.

Muito se discute sobre como uma carreira em educação é pouco atrativa, pela falta de valorização do profissional. Mas será esse o caso para todos os profissionais de educação? Assim como em outras áreas, o empreendedorismo em educação tem sido a veia da área que faz brilhar os olhos de muitos jovens em início de carreira. É o que explicou Alexandre Sayad, sócio-fundador do Media Education Lab, em sua palestra sobre startups de educação na Bett Brasil Educar na última quinta-feira, 21.

A maioria dos que se aventuram em criar uma nova empresa que alia educação e tecnologia, segundo Sayad, tem menos de 25 anos. E até mesmo por isso, muitas startups falham no início - segundo ele, por falta de experiência de muitos jovens, e defasagem entre expectativa e realidade.

Pensando nisso, o especialista destacou os maiores desafios para quem quer empreender em educação:

1. Educação para todos e para cada um: "A gente sabe que os alunos Pedro, João, José, Maria e Letícia aprendem de maneira diferente, mas temos que ensinar todos eles", observa. "É uma briga de foice, mas talvez o ponto mais promissor das startups é da personalização do ensino, porque é um caminho que não tem volta diante do cenário de tecnologia hoje, e é uma tendência que de fato vai resolver algumas questões que um ser humano sozinho, diante de uma sala com 30, 40 pessoas, não consegue."

2. A lógica de gestão da escola não é a mesma de qualquer empresa. É preciso conhecer seu funcionamento, na ponta. Segundo Sayad, só quem está na sala de aula sabe realmente como a educação funciona.

3. Ter um olhar sistêmico. É importante, para o empreendedor, não acreditar que as inovações são panaceias, ou seja, soluções absolutas para determinado problema. "Se você tem o olhar sistêmico, entender que cada problema é muito complexo e que não vai conseguir acabar com ele todo com uma só tacada."

4. Conhecer outros players, evitar a sobreposição e aprender a colaborar. Para Sayad, é importante tecer uma rede de parceiros, especialmente de fora da educação. "Areja o diálogo", diz. Sobre a colaboração, ele defende que 
não é algo inato às pessoas, e sim uma habilidade. "E é uma habilidade que vc desenvolve na escola."

5. Usar a tecnologia como meio e se apoderar dela: o digital deve ser uma ferramenta, não o objetivo de uma atividade ou projeto pedagógico.

6. Errar cedo e acertar o percurso: arriscar e errar faz parte da educação.

7. Não podemos desprezar a nossa experiência com a educação, mas é preciso ouvir quem está vivendo ela hoje. "A educação é uma plataforma segurada por muitos atores, e um deles é o aluno, que a gente precisa escutar", diz.

sábado, 23 de maio de 2015

Tecnologia: aliada ou inimiga do pensamento crítico?

Por Flávia Siqueira

'Debate analisa se essa ainda é uma questão válida na educação'

A tecnologia é um estímulo ou um obstáculo para o pensamento crítico? Essa pergunta pautou a mesa de debate que reuniu os professores e pesquisadores David Cavallo, Lucio Teles e Christian Di Maggio na Bett Brasil Educar 2015.

Cavallo, pesquisador norte-americano do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e referência no tema, é um entusiasta do uso de tecnologia na educação. Para ele, não é possível desenvolver o pensamento crítico apenas ouvindo - é necessário fazer e criar e, para isso, a tecnologia é essencial.

Ele ilustra com um exemplo típico das aulas de física: é mais eficiente ensinar os princípios do atrito estático em um plano inclinado por meio de um projeto em que os alunos construam um modelo real do que usando apenas desenhos na lousa.

“Nesse caso, o projeto provavelmente não dará certo na primeira vez. Então, o aluno terá que recorrer ao pensamento crítico para descobrir por que o que ele fez não está funcionando e como resolver”, afirma o pesquisador.

Em seguida, o professor Lucio Teles, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), apresentou reflexões de estudiosos sobre a ligação entre pensamento crítico e acesso à tecnologia. Não há consenso: enquanto parte dos acadêmicos veem os recursos digitais como ferramentas cognitivas úteis, outros os apontam como fonte de declínio do pensamento e de superficialidade.

Cavallo afirma que não há como romper com a tecnologia: ela está sendo usada, por bem ou por mal. “A tecnologia é muitas coisas, não é uma só. Tecnologia é o novo, qualquer coisa criada após nascermos.” No passado, por exemplo, a caneta e a impressão tipográfica foram (ou poderiam ser) consideradas novas tecnologias.

É o uso que fazemos da tecnologia, portanto, que está em questão. E, se quisermos ter uma visão menos fragmentada do tema, é necessário fazer um exercício e tentar observar a realidade com os olhos das novas gerações. “Falamos muito em nativos digitais, mas para um nativo digital essa definição dele mesmo faz sentido?”, questiona Di Maggio, consultor e funcionário técnico do Ministério da Educação italiano. “Não, pois é o mundo dele. Decidir entre dizer sim ou não à tecnologia não é um problema verdadeiro.”

A questão, afirma Cavallo, é que a abordagem “industrial” da alfabetização e do ensino em massa não está mais funcionando. Di Maggio argumenta no mesmo sentido: décadas atrás, a escola nos dava acesso a informações que não tínhamos em casa; hoje, o cenário se inverteu – os jovens vão para a escola e não encontram lá o que eles têm em casa ou na tela de um celular.

Mas o cenário brasileiro não é árido como muitos podem pensar, aponta Cavallo. Segundo o professor, não faltam bons professores, boas ideias e bons projetos no Brasil. O problema está na distribuição dessas soluções, que ainda estão longe de chegar a todos.

Por fim, partiu do público uma das reflexões mais claras sobre o tema: não cabe ao professor optar ou não pela tecnologia, mas orientar os alunos sobre como usá-la para construir conhecimento e não cair na superficialidade.

domingo, 19 de abril de 2015

COMO REPRODUZIMOS A CULTURA DO CAPITAL

''Chave para a sustentação da cultura do capital é a cultura do consumo... Quem não tem, quer ter, quem tem, quer ter mais e quem tem mais diz: nunca é suficiente.''

No artigo anterior – A cultura capitalista é anti-vida e anti-felicidade – tentamos, teoricamente, mostrar que a força de sua perpetuidade e reprodução reside na exacerbação de um dado de nossa natureza que consiste no afã de auto-afirmar-se, de fortificar o próprio eu para não desaparecer ou ser engolido pelos outros. Mas ela recalca e até nega o outro dado, igualmente, natural, o da integração do eu e do individuo num todo maior, no nós, na espécie, da qual é um representante.

Mas é insuficiente determo-nos apenas nesse tipo de reflexão. Ao lado daquele dado originário, vigora outra força que garante a perpetuação da cultura capitalista. 

É o fato de nós, a maioria da sociedade, internalizarmos os “valores” e o propósito básico do capitalismo que é a expansão constante da lucratividade que permite um consumo ilimitado de bens materiais. Quem não tem, quer ter, quem tem, quer ter mais e quem tem mais diz: nunca é suficiente. E para a grande maioria, a competição e não a solidariedade e a supremacia do mais forte prevalecem sobre qualquer outro valor, nas relações sociais, especialmente, nos negócios.

Chave para a sustentação da cultura do capital é a cultura do consumo, da permanente aquisição de produtos novos: um novo celular com mais aplicativos, um modelo mais sofisticado de computador, um estilo de sapato ou de vestido diferentes, facilidades no crédito bancário para possibilitar a compra-consumo, aceitação acrítica das propagandas de produtos etc.

Criou-se uma mentalidade, onde todas estas coisas são naturalizadas. Nas festas entre amigos ou familiares e nos restaurantes consome-se à tripa forra, enquanto, ao mesmo tempo, os noticiários relatam os milhões que passam fome. Não são muitos os que se dão conta desta contradição, pois a cultura do capital educa para ver primeiro a si mesmo e não se preocupar dos outros e do bem comum. Este então, já o dissemos vários vezes, vive no limbo há muito tempo.

Todos somos reféns, alguns mais e outros menos, deste tipo de mentalidade e de prática. Por isso nos custa tanto inaugurar comportamentos anti-sistêmicos e anti-consumismo e assim abrir caminho para o novo alternativo.

Por esta razão não basta atacar a cultura do consumo. Se o problema é sistêmico, temos que lhe opor outro sistema, anticapitalista, anti-produtivista, anti-crescimento linear e ilimitado. Ao TINA capitalista (there is no Alternative): “não há outra alternativa” temos que contrapor outra TINA humanista (there is a new Alternative):” há uma nova alternativa”.

Por todas as partes, surgem rebentos alternativos dos quais cito, como exemplo, apenas trẽs: o “bien vivir”dos povos andinos que consiste na harmonia e no equilíbrio de todos os fatores, na família, na sociedade (democracia comunitária), com a natureza (as águas, os solos, as paisagens) e com a Pachamama, a Mãe Terra. A economia não se orienta pela acumulação mas pela produção do suficiente e do decente para todos.

Segundo exemplo: está se fortalecendo mais e mais o ecosocialismo que nada tem a ver com o socialismo uma vez existente (que era na verdade um capitalismo de Estado) mas com os ideais do socialismo clássico de igualdade, solidariedade, da subordinação do valor de troca ao valor de uso com os ideais da moderna ecologia, como vem excelentemente apresentada entre nós pelo brasileiro Michael Löwy em seu O que é o ecosocialismo (Cortez 2015) e outros em vários países como as contribuições significativas de James O’Connor e de Jovel Kovel.

Aí se postula a economia em função das necessidades sociais e das exigências da proteção do sistema-vida e do planeta como um todo. Um socialismo democrátaico, segundo O’Connor, teria como objetivo uma sociedade racional fundada no controle democrático, na igualdade social e na predominância do valor de uso. Löwy acrescenta ainda “que tal sociedade supõe a propriedade coletiva dos meios de produção, um planejamento democrático que permita à sociedade definir os objetivos da produção e os investimentos, e um nova estrutura tecnológica das forças produtivas”(op.cit. p.45-46).

O socialismo e a ecologia partilham dos valores qualitativos, irredutíveis ao mercado (como a cooperação, a redução do tempo de trabalho para viver o reino da liberdade de conviver, de criar, de dedicar-se à cultura e à espiritualidade e ao resgate da natureza devastada). Esse ideal está no âmbito das possibilidades históricas e orienta práticas que o antecipam.

Um terceiro modelo de cultura eu chamaria de a “via franciscana”. Francisco de Assis, atualizado por Francisco de Roma é mais que um nome ou um ideal religioso; é um projeto de vida, um espírito e modo de ser. Entende a pobreza não como um não ter mas como capacidade de sempre desprender-se de si mesmo para dar e mais uma vez dar, a simplicidade de vida, o consumo como sobriedade compartida, a humildade contra todo tipo de arrogância, o cuidado dos desvalidos, a confraternização universal com todos os seres da natureza, respeitados como irmãos e irmãs, a alegria de viver, de dançar e de cantar mesmo na hora da morte até cantilenae amatoriae da Provence, cantigas de enamoramento. Em termos políticos seria um socialismo da suficiência e da decência e não da abundância, portanto, um projeto radicalmente anti-capitalista e anti-acumulador.

Utopias? Sim, mas necessárias para não afundarmos na crassa materialidade, utopias que podem se tornar a inspiradora referência após a grande crise sistêmica ecológico-social que virá inevitavelmente como reação da própria Terra que já não aguenta tanta devastação. Tais valores culturais sustentarão um novo ensaio civilizatório, finalmente mais justo, espiritual e humano.

Fonte:


quarta-feira, 18 de março de 2015

MOVIMENTOS EM ÉPOCA E MOTIVAÇÕES DIFERENTES

''Democracia é algo muito sério pra virar playgroud de golpistas''

É preciso refutar essa comparação chula entre o Movimento Redemocratização na praça da sé com os participantes do 'Movimento Quero Mais' da avenida paulista. O primeiro foi um ato de coragem histórica, de rompimento, de consciência
objetiva centrado na ânsia de restabelecer o direito de colocar os pés na rua e escolher não só o representante na principal cadeira na nação, mas a direção do caminhar com a ampla representação da sociedade. Enquanto o segundo representa o desejo exclusivo de seletos setores da sociedade sob a articulação do partido da imprensa golpista e seus articulista contratados para fomentar a frente de mobilizações, monitorar pela cor da pele e roupa usada de quem poderia participar.

O Primeiro foi o maior de todos os movimentos já realizado em torno de uma pauta unitária, ciente e propositiva, e o segundo para além das dúvidas na motivação de cada um, o retrato da ilustração clássica dos desejos de uma força politica derrotada nas ultimas eleições presidenciais. Se o país precisa de reformas e avanços frente a estagnação, os escanda-los que ai estão enraizados há décadas precisa também da clareza de seus cidadãos quanto ao que precisam, querem e propõe. Democracia é algo muito sério pra virar playgroud de golpistas com patrocínio de grandes petroleiras da Shell à Chevron, da CIA norte americana ao braço golpista da imprensa nacional! 

Neste sarapatel ufanista da comparação que a imprensa insiste em apresentar a necessidade primeira é dicotomizar quantidade, qualidade e propositividade de épocas e motivações diferentes. Tudo o mais é mero festim do caos que na essência atrapalha aquilo que é essencial e urgente nas mudanças que o país mais precisa. Não cair no lacismo relaxado e comodo de reproduzir o que querem os setores retrógrados da imprensa no país é de grande necessidade para quem quer mesmo superar desafios e avançar.

Neuri A. Alves – Professor Curioso e Pesquisador

terça-feira, 17 de março de 2015

Crise Brasil: a farra acabou

''Quem não semeia não colhe. O governo quis colher onde não semeou.'' 

O país não apresenta perspectivas de crescimento em 2015. A inflação aumenta a cada mês e, o dólar, a cada dia. Não há investimentos à vista. Direitos sociais, como abono desemprego e pensão viuvez, sofreram cortes. Os juros
voltam a subir. E a corrupção na maior empresa brasileira, a Petrobras, administrada pelo governo, deixa o PT acuado e aprofunda a crise política.

A farra acabou. Foram 11 anos (2003-2014) de bonança: crescimento econômico; investimentos estrangeiros; inflação e câmbio sob controle; crédito facilitado; aumento real do salário mínimo; desemprego baixo. 

Graças aos programas sociais, 36 milhões de brasileiros saíram da miséria. As ruas se entupiram de veículos novos. Qualquer barraco de favela está equipado com TV em cores, geladeira, fogão, máquina de lavar (graças à desoneração da linha branca) e telefones celulares. E Dilma, na campanha presidencial de 2014, prometeu que nada disso mudaria. 

Agora, tudo muda. O novo lema do governo – “Brasil, Pátria Educadora” – foi anunciado em um dia e, no outro, R$ 14 bilhões foram cortados do orçamento da educação. 

Onde o governo errou? Errou ao adotar um populismo cosmético. Se você tem renda suficiente para pagar aluguel e sustentar a família, não pode oferecer aos filhos motos, carros e férias no exterior. A conta não fecha. Um dia a casa cai e o rombo terá que ser coberto, ainda que a família perca quase todos os bens. 

'Quem não semeia não colhe. O governo quis colher onde não semeou.' Em 12 anos, não promoveu nenhuma reforma de estrutura. Nem agrária, nem tributária, nem política. 

Isso me lembra o velho Araújo. Vargas, presidente, todo ano, a 21 de abril, mudava simbolicamente a capital do país para Ouro Preto. Araújo, que residia em casa maior que a sua conta bancária, ofereceu ao presidente, em sua passagem por Belo Horizonte, um banquete. 

Na mesa, tudo do bom e do melhor. O que não havia em Minas, veio do Rio e de São Paulo. Do banquete, a família guarda duas recordações: a feliz, a comilança regada a champanha francesa. A triste, a falência do velho Araújo.

Havia alternativa para o PT? Sim, se não houvesse jogado a sua garantia de governabilidade nos braços do mercado e do Congresso; se tivesse promovido a reforma agrária, de modo a tornar o Brasil menos dependente da exportação de commodities e mais favorecido pelo mercado interno; se ousasse fazer a reforma tributária recomendada por Piketty, priorizando a produção e não a especulação; se houvesse, enfim, assegurado a governabilidade, prioritariamente, pelo apoio dos movimentos sociais, como fez Evo Morales na Bolívia. 

A crise econômica tende a se aprofundar. Já a política se arrastará até 2018, ano de eleições presidenciais. Se o governo não voltar a beber na sua fonte de origem – os movimentos sociais e as propostas originárias do PT –, as forças conservadoras voltarão a ocupar o Planalto. 

Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros. Página e Twitter do autor: http://www.freibetto.org/ e twitter:@freibetto. 

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br.

segunda-feira, 16 de março de 2015

O PROFESSOR RASGOU O LIVRO DE HISTÓRIA NA OFICINA DE LEITURA?

''Precisamos compreender como se aprende a ler e o que há de fantástico na leitura para reeducar leitores fracassados e chegar a um nível de leitura eficaz.''

Gosto demais dessa categoria, acho que o professor, educador, formador é a mais encantadora opção de vida que se faz, afora os dissabores que se enfrenta, mas a gente se encanta, se espanta e divide o pão sofrido das dificuldades. E na essência, chegamos servir como varinha mágica das angustias curiosas da criança, do adolescente, do jovem que lá na academia ostenta os status de autossuficiente. Porque o conhecimento tem que servir para encantar o aluno, principalmente nas séries iniciais e para desabrochar o ser social no jovem adolescente ao final do ciclo escolar.

Mas confesso, essas manifestações dos últimos dias serviram também para certificar-nos que precisamos estudar mais - não dá para achar que aquele certificado da acadêmica resolveu todos os nossos problemas, inquietações e limites no grande turbilhão da dúvida e das incertezas pertinentes. 

Digo isso, sem insinuar, mas para afirmar mesmo que precisamos ler mais, e isso não se justifica com falta de tempo, até porque sei de tantos colegas que costumam ler beste sellers da atualidade, ou curiosidades como da tríade 50 Tons de Cinza entre outros, mas tem dificuldade de ler um livro sobre o movimento histórico do país que critica. Esclarecimento não é só dever de qualquer formador de opinião, mas também de acúmulo para cidadania.

Pois se na democracia é um dever cidadão a gente manifestar insatisfações com a realidade, como professores acima de tudo é um dever também tratar dessas questões com conhecimento de causa, independente da disciplina ao qual esteja habilitado para lecionar, da opção ideológica político ou partidária, ou ainda da neutralidade assumida na questão. Vi cada pérola nesses dias que faz repensar: - Qual educação realmente nós queremos para o Brasil?

Uma boa provocação nos faz o professor Gabriel Perissé em seu artigo 'A necessária arte de ler' nos dizendo: 

Precisamos compreender a leitura como uma arte para, depois, pragmaticamente, despertar o prazer da leitura em meio à crise da palavra escrita. Precisamos compreender como se aprende a ler e o que há de fantástico na leitura para reeducar leitores fracassados e chegar a um nível de leitura eficaz.

Precisamos compreender cientificamente o ato da leitura para orientar as famílias, lugar natural em que nasce o amor ao livro, à língua e o desejo de ler, a um preço justo. 

A leitura inteligente, que faz pensar, amar e sofrer com coerência poética, é caminho de liberdade existencial, uma bela terapia. Quem ler verá. Quem souber ler terá a força criativa de organizar com os olhos o volume e o peso do caos. 

Pois o professor que pouco ou nada lê, corre o risco de acabar como leitura na observação do outro sem saber - sei bem que ler é algo mais profundo do que o exposto aqui, mas isso é uma forma de provocar e convocar para ler também. 

Viver numa democracia, não significa direito de rasgar os livros da história do própria país, sem ao menos pegá-los nas mãos - boa leitura, com oficina ou não!


Neuri A. Alves – Professor Curioso e Pesquisador

segunda-feira, 2 de março de 2015

A PRAGA DA VIOLÊNCIA COLETIVA

''A maldade não está essencialmente nas pessoas, mas nos sistemas de organização social que a transformam em ódio coletivo e a justificam.''

Nunca subestime o poder de pessoas estúpidas em grandes grupos.

Um aluno um dia me perguntou o que eu achava do homem: naturalmente bom mas pervertido pela sociedade, na linha do “bom selvagem” de Rousseau, ou esta desgraça mesmo que vemos por aí, em estado natural? Na realidade, não acho nem uma coisa nem outra. Acho que temos todos imensos potenciais para o bem e para o mal, para o divino e a barbárie. Cabe a nós, que trabalhamos com o estudo da sociedade e em particular das instituições, pensar o que faz a balança pender mais para um lado ou para outro. Pois deixando de lado alguns traumas e deformações individuais, domínio dos psiquiatras, aqui nos interessa a misteriosa bestialidade coletiva de grandes grupos sociais.

Muitos dizem que a solução está na educação e na cultura. Tenho minhas dúvidas, pois sou de família polonesa, e vi refletido nas angústias dos meus pais o que tinham vivido frente ao nazismo. Ninguém irá pensar que os alemães eram um povo de baixo nível educacional ou cultural. E no entanto, com que entusiasmo vestiram as botas e as camisas negras ou marrons, com que elevado sentimento de dever cumprido matavam pessoas por serem diferentes, por um critério real ou imaginário. Cerca de 50% dos médicos alemães aderiram ao partido nazista. Isto é que é realmente preocupante. Estupidez é uma doença que pega.

Poder dar vazão ao que há de mais podre dentro de nós, de mais escuro em termos de ódio contido, de mais baixo em termos humanos, em nome de elevadas aspirações éticas, parece ser muito satisfatório. Os nazistas agiam em nome da pureza da raça. E erguiam bem alto a bandeira do “Gott mit uns”, Deus está conosco. Tornar-se de certa maneira o braço executivo da cólera divina parece ser profundamente agradável. Há gente disposta a morrer por esta satisfação.

Quem não leu O Martelo da Feiticeira, manual de interrogatório dos inquisidores católicos perdeu uma importante fonte de conhecimento sobre os nossos lados escuros. O manual recomenda, por exemplo, que os religiosos encarregados de torturar as possíveis feiticeiras as torturassem nuas, pois se tornam mais frágeis, e de costas para os torturadores, pois a era tal a perversidade destas mulheres que de frente para os torturadores poderiam comovê-los com suas súplicas e expressões de desespero. Eram religiosos, e o faziam em nome de Cristo.

Somos hoje mais civilizados? Sinto-me profundamente abalado, chocado, pelo bárbaro assassinato dos jornalistas do Charlie Hebdo, em Paris, por profissionais da morte que matam em nome de Deus, e que claramente mostraram nos seus gritos que se sentiam como justiceiros que haviam cumprido o seu dever. São monstros? Se fossem, seria muito mais simples compreender e prevenir. Mas são seres humanos em torno dos quais se construiu uma muralha de valores que os protege de qualquer crítica. Se sentem pertencentes a uma comunidade que os apoia e recompensa, ou seja, praticam a barbárie em nome do bem. Podemos matar os terroristas, mas transformar a dinâmica que os forma é bem mais complexo.

Podemos tratar um psicopata, e proteger a sociedade dos riscos individuais. E uma sociedade doente? Quem não viu Os fantasmas de Abu-Ghraib, veja, é profundamente instrutivo. O documentário é montado a partir de selfies e de filmagens por celular de práticas de tortura no Iraque por jovens americanos, contra supostos inimigos. Tortura praticada no Iraque em nome da defesa dos direitos humanos, por um exército invasor, e por funcionários de empresas privadas de segurança terceirizadas para esta tarefa. Estes jovens são monstros? As imagens das torturas e dos risonhos rapazes circulam em todo o mundo islâmico. Com que impacto e efeito multiplicador?

Hoje temos tortura sistemática aplicada pelo sistema repressivo (Mossad, Shin Bet e outros) em Israel. Em Guantánamo quando os prisioneiros tentam morrer para escapar ao sofrimento se lhes introduz à força alimento pelo nariz ou pelo anus, tudo em nome do bem, como em nome de Deus os fanáticos do ISIS decapitam prisioneiros ou os do Boko Haram raptam crianças.

A maldade não está essencialmente nas pessoas, mas nos sistemas de organização social que a transformam em ódio coletivo e organizam a sua expressão em nome da justiça, de Deus, da pátria, da pureza racial ou o que seja.

Ladislau Dowbor - Catedrático da PUC-SP - Graduação em Economie Politique - Universite de Lausanne (1968), Mestre em Economia Social e doutorado em Ciências Econômicas.

Fonte: 
http://dowbor.org

domingo, 22 de fevereiro de 2015

O QUE PRECISA SER INCORPORADO AO PROCESSO DE EDUCAÇÃO

''Urge nos reinventar como humanos, no sentido de inaugurar uma nova forma de habitar o planeta com outro tipo de civilização.''

Geralmente o processo educativo da sociedade com suas instituições como a rede de escolas e de universidades estão sempre atrasadas em relação às mudanças que acontecem. Não antecipam eventuais processos e custam-lhes fazer as mudanças necessárias para estar à altura deles.

Entre outras, duas são as grandes mudanças que estão ocorrendo na Terra: a introdução da comunicação global via internet e redes sociais e a grande crise ecológica que põe em risco o sistema-vida e o sistema-Terra. Podemos eventualmente desaparecer da face da Terra. Para impedir esse apocalipse a educação deve ser outra, diversa daquela que dominou até agora.

Não basta o conhecimento. Precisamos de consciência: uma nova mente e um novo coração. Precisamos também de uma nova prática. Urge nos reinventar como humanos, no sentido de inaugurar uma nova forma de habitar o planeta com outro tipo de civilização. Como dizia muito bem Hannah Arendt: ”podemos nos informar a vida inteira sem nunca nos educar”. Hoje temos que nos reeducar e no reinventar como humanos.

Por isso, acrescento às dimensões acima referidas, estas duas: aprender a cuidar e aprender a se espiritualizar.

Mas antes faz-se mister, previamente, resgatar a inteligência cordial, sensível ou emocional. Sem ela, falar do cuidado e da espiritualidade faz pouco sentido. A causa reside no fato de que todo sistema moderno de ensino se funda na razão intelectual, instrumental e analítica. Ela é uma forma de conhecer e de dominar a realidade, fazendo-a mero objeto. Sob o pretexto de que a razão sensível impediria a objetividade do conhecimento, foi recalcada. Com isso surgiu uma visão fria do mundo. Ocorreu uma espécie de lobotomia que nos impede de nos sentir parte da natureza e de perceber a dor os outros.

Sabemos que a razão intelectual, como a temos hoje, é recente, possui cerca de 200 mil anos quando surgiu o homo sapiens com seu cérebro neo-cortical. Mas antes dele, surgiu há cerca de 200 milhões de anos, o cérebro límbico, por ocasião da emergência dos mamíferos. Com eles, entrou no mundo o amor,o cuidado, o sentimento que se devotam à cria. Nós humanos, esquecemos que somos mamíferos intelectuais. Logo, somos fundamentalmente portadores de emoções, paixões e afetos. No cérebro límbico reside o nicho da ética, dos sentimentos oceânicos como os religiosos. Antes ainda há 300 milhões de anos, irrompeu o cérebro reptilínio que responde por nossos reações instintivas; mas não é o caso de abordá-lo aqui.

O que importa é que hoje temos que enriquecer nossa razão intelectual com a razão cordial, muito mais ancestral, se quisermos fazer valer o cuidado e a espiritualidade.

Sem essas duas dimensões não iremos nos mobilizar para cuidar da Terra, da água, do clima, das relações inclusivas. Precisamos cuidar de tudo, sem o que as coisas se deterioram e perecem. E então iríamos encontro de um cenário dramático.

Outra tarefa é resgatar a dimensão da espiritualidade. Ela não deve ser identificada com a religião. Ela subjaz à religião porque é anterior a ela. A espiritualidade é uma dimensão inerente ao ser humano como a razão, a vontade e sexualidade. É o lado do profundo, de onde emergem as questões do sentido terminal da vida e do mundo.

Infelizmente estas questões foram tidas como algo privado e sem grande valor. Mas sem sua incorporação, a vida perde irradiação e alegria. Mas há um dado novo: os neurólogos concluíram que sempre que o ser humano aborda estas questões do sentido, do sagrado e de Deus, há uma aceleração sensível nos neurônios do lobo frontal. Chamaram a isso “ponto Deus” no cérebro, uma espécie de órgão interior pelo qual capitamos a Presença de uma Energia poderosa e amorosa que liga e re-liga todas as coisas.

Avivar esse “ponto Deus” nos faz mais solidários, amorosos e cuidadosos. Ele se opõe ao consumismo e materialismo de nossa cultura. Todos, especialmente os que estão na escola, devem ser iniciados nessa espiritualidade, pois nos torna mais sensíveis aos outros, mais ligados à mãe Terra, à natureza e ao cuidado, valores sem os quais não garantiremos um futuro bom para nós.

Inteligência cordial e espiritualidade são as exigências mais urgentes que a atual situação ameaçadora nos faz.

Leonardo Boff é colunista do JBonline e escreveu Saber cuidar, Vozes 2000 e O cuidado necessário e Vozes 2013.

Fonte: 
https://leonardoboff.wordpress.com