segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

AULA NÃO PRECISA SER ''SHOW''

''A Aula não precisa ser um “show” para realizar o ensino e a aprendizagem.''

Às vezes até mesmo nós, na condição de professores, somos tomados pelo embalo do momento em que a Educação se deixa virar facilmente para cultura do espetáculo. Uma cultura que imputa e dita suas regras em virtude do sistema econômico capitalista que, entre outras coisas, transforma o educador num animador de auditório e o estudante num cliente. Infelizmente, estamos sendo quase que forçados a abraçar uma causa da Educação voltada para o “vale tudo” desde que o estudante não saia da Escola ou da Universidade.

Estamos relativizando demais os critérios da aprendizagem. E isso se deve ao fato de aceitarmos exigências profissionais vindas de um sistema falido, sem compromisso com a Educação e submetido a quaisquer negócios de ordem financeira. Daí paira sobre nós esse discurso ideológico do sistema espetacular.

Que discurso é esse? É um discurso que prima por uma Educação sem reflexão, valorizando inúmeros estímulos como produtos da tecnologia e dos meios de comunicação de massa. Possibilita a descentralização da capacidade cognitiva do estudante, como também a incapacidade de concentração em atividades que demandam tempo de análise e capacidade reflexiva. “O tempo espetacular exige que a consciência se fragmente, de modo a captar a maior quantidade de percepções possíveis” (NUNES-BITTENCOURT, Renato. Educação sem reflexão no sistema espetacular. Conhecimento Prático. Filosofia, São Paulo, ano 7, ed. 46, p. 66, dez 2013/jan 2014).

O artigo de Renato Nunes-Bittencourt vai mais além nessa questão e realça, segundo ele, “os sintomas desse mal-estar cultural”. Repare: 

“Na conjuntura educacional contemporânea, um dos sintomas mais evidentes desse mal-estar cultural reside na transformação do professor em um animador de auditório, ocorrendo assim a obrigação profissional de entreter o alunado com uma dinâmica imbecilizante, de modo a tratar sua turma como pessoas que se recusam a sair do estado de menoridade existencial” (idem).

Não podemos tratar nossos estudantes como clientes, mercadorias, cujo preço é o atendimento imediato de seus caprichos. Porém, é com respeito, apostando em suas potencialidades e faculdades para aprender que merecem ser tratados. Eles precisam sair da condição de meros espectadores das aulas e assumirem a posição de sujeitos autônomos, críticos à altura de qualquer desafio. Quem sabe até pudéssemos incitá-los ao diálogo para ultrapassarem a dimensão do espetáculo na sociedade e na sala de aula.

A respeito disso evoco aqui um episódio curioso sobre a vida de Platão mencionado nas Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres de Diógenes Laértios, onde traz o encontro dramático de Sócrates e Platão no contexto das Tragédias. 

Acostumado a frequentar o teatro e as festas dionisíacas, justamente no instante em que ia participar de um concurso de tragédias, Platão, ao ouvir aquele homem e seus argumentos de mestre, passa a segui-lo e joga seus poemas às chamas.

Veja que Platão ultrapassa sua condição de amante de espetáculos para se transformar em amante de espetáculos da verdade. No livro V da República, Platão escreve um diálogo importante entre Gláuco e Sócrates mostrando a distinção entre os que são apenas amantes de espetáculos e os que são amantes de espetáculos da verdade. Os verdadeiros estudantes, para Platão, devem ser filósofos. “Mas aquele que deseja saborear toda a ciência, que se entrega alegremente ao estudo e nele se revela insaciável, a esse chamaremos, com razão, de filósofo, não é assim?” Pergunta ironicamente Sócrates a Gláuco. 

Os efeitos do sistema espetacular na Educação já se fazem sentir quando as aulas se tornam apenas mecanismo de animação, dinamização e sensacionalismo emocional, uma vez que só existem para prender a atenção e atender ao gosto da maioria (clientela). Ora, não estamos num palco ou num circo, muito menos num programa de “reality show”. A Aula não precisa ser um “show” para realizar o ensino e a aprendizagem. Aulas são feitas de provocação (problematização), trabalho, diálogo, investigação (pesquisa), conteúdo, muita leitura e reflexão. Quem se dispõe a ir à aula, deveria ir como se fosse ao trabalho. Só que é um trabalho diferente, um trabalho intelectual. Mas se chegar a um “show” ou se estiver assistindo a um espetáculo numa aula, queira ir mais adiante, assuma o controle, ultrapasse.

Segundo Libâneo, a aula:
“[...] não se aplica somente à aula expositiva, mas a todas as formas didáticas organizadas e dirigidas direta ou indiretamente pelo professor, tendo em vista realizar o ensino e a aprendizagem. [..] ela é toda situação didática na qual se põem objetivos, conhecimentos, problemas, desafios, com fins instrutivos e formativos, que incitam as crianças e jovens a aprender” (LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 28º Ed. São Paulo: Cortez, 2008. p.178). 

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em Teologia, Bel. e Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica, Esp. em Estudos Clássicos.

Fonte: http://boletimodiad.blogspot.com.br/

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O PROFESSOR E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA UM MUNDO HUMANIZADO

“(...) os professores devem se assumir como intelectuais transformadores, aqueles capazes de trabalhar com grupos que se propõem a resistir às intenções de opressão e dominação presentes na escola e na sociedade e a participar de uma luta coletiva por emancipação”

Diante da realidade que vivemos no mundo atual, é preciso encontrar caminhos para se dar um salto na qualidade da educação em todos os níveis de ensino. Quando se observa a divulgação feita pelos meios de comunicação e tantas informações obtidas por muitas pessoas, que, diretamente estão envolvidas no processo educacional, identificam-se inúmeros problemas que vêm se desencadeando nas instituições escolares. 

Como professores, devemos ter consciência da nossa responsabilidade para ajudar a minimizar a situação e, gradativamente, sair dessa crise. Sabe-se que novas mentalidades, novas posturas, iniciativas, muito empenho e decisão é que poderão construir uma sociedade diferente, humanizada e ética. E é exatamente no desenvolver da educação sistemática que poderemos promover uma “revolução” de mentes e de atitudes, na perspectiva de um mundo melhor. Afinal, a pessoa humana é o centro da educação: a vida do ser humano em sua totalidade está envolvida, inevitavelmente, na educação. 

Precisamos, pois, dar mostras de que integramos uma classe profissional que contribui, sobremaneira, para a transformação da sociedade, tornando os cidadãos mais capacitados e eticamente atuantes. Oportuno se faz a afirmação do Prof. Flávio Moreira (UFRJ), quando reflete sobre as ideias de Henry Giroux: “os professores devem se assumir como intelectuais transformadores, aqueles capazes de trabalhar com grupos que se propõem a resistir às intenções de opressão e dominação presentes na escola e na sociedade e a participar de uma luta coletiva por emancipação”, ou seja: tomar decisões a partir de uma visão progressista de educação, ter abertura para examinar os tipos de atividades que vêm sendo desenvolvidas, identificar as “mesmices”, observar os mais diversos problemas que afetam o universo escolar, batalhar por inovações, superando gradativamente as verticalidades, para, então, ousar a implementação de mudanças a nível qualitativo no âmbito socioeducacional e político. 

Assim, nas atividades pedagógico-científicas, é necessário que o professor recorra à observação criteriosa, para que, de forma analítica, promova o exame detido da situação real. Cabe a ele a função de aprendizagem do aluno, com afinco, dedicação, sistematicidade, continuidade e persistência, de tal modo que, paulatinamente, os alunos passem a ter autonomia, saibam conquistar o conhecimento, tornando-se construtores e produtores do mesmo, numa busca incessante de aprofundamento do saber, aprimorando cada vez mais o seu papel de sujeito atuante nas escolas. Quanto mais nos dedicarmos à nossa valiosa profissão, mais realizados seremos como professores e, melhores contribuições daremos às exigências socioculturais e políticas do mundo atual. 

Profª. Elza Maria Cruz Brito 
(Educadora de professores, formadora de opiniões no Maranhão) 

Fonte: 
http://boletimodiad.blogspot.com.br

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

DAS IDEIAS E DOS HOMENS

''Mitos e ideias voltaram para nós, invadiram-nos, deram-nos emoção, amor, ódio, êxtase, furor.''

Devemos estar conscientes de que desde a alvorada da humanidade, a linguagem, a cultura, as normas de pensamento agarraram o gênero humano e nunca mais o largaram. Desde essa alvorada, levantou-se a noosfera, com o desenrolar dos mitos, dos deuses, e o formidável levantamento desses seres empurrou, arrastou o Homo sapiens para delírios, massacres, crueldades, adorações, extases, sublimidades desconhecidas no mundo animal.

Desde essa alvorada, vivemos no meio das florestas dos símbolos e não podemos sair dela. Ainda no fim do nosso segundo milênio, como os 'daimons' dos gregos, e por vezes como demônio do Evangelho, os nossos demônios ideais arrastam-nos, submergem a nossa consciência, tornam-nos inconscientes. Dando-nos a ilusão de sermos hiperconscientes. 

A humanidade não sofreu de insuficiência de amor. Ela produziu excessos de amor que se precipitaram para os deuses, para os ídolos e paras as ideias, e voltaram para os humanos transmudados em intolerância e terror. 

- Tanto amor e tanta fraternidade perdidos, desperdiçados, enganados, desnaturados, apodrecidos, endurecidos!
- Tanto amor e fraternidade que alimentaram os seres de espírito enquanto seres humanos estoiravam com a sua falta.
- Tanto amor engolido nas tantas vezes implacável religião de amor e tanta fraternidade engolida nas tantas vezes impiedosa ideologia da fraternidade!

A noosfera está em nós e nós estamos na noosfera. Mais ainda, a noosfera saiu inteira das nossas almas e dos nossos espíritos. Os mitos ganharam forma, consistência, realidade, a partir de fantasmas formados pelos nossos sonhos e pelas nossas imaginações. As ideias adquiriram forma, consistência, realidade, a partir dos símbolos e dos pensamentos das nossas inteligências. 

Mitos e ideias voltaram para nós, invadiram-nos, deram-nos emoção, amor, ódio, êxtase, furor. Que vitalidade espantosa, e que faz parte de nossas vidas, a da noosfera. É efetivamente uma parte da nossa substância que ai vive. 

Fonte: Edgar Morin - (O Método IV) As Ideias: a sua natureza, vida, habitat e organização.

Neuri Adilio Alves
Professor Pesquisador Edgar Morin 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

VOU TE ABRAÇAR

"Lá há um jardim encantado onde planto árvores para meus amigos que morrem."

Escrevi-lhe então a carta abaixo: 

“Meu querido, muito querido Ladon: Tantos anos se passaram... E perdi contato com você. Mas você esteve sempre no meu coração e eu o imaginava caminhando sozinho pelas montanhas, em busca de silêncio, de comunhão com Deus e com a natureza. Contei muitas vezes a estória da nossa estranha amizade — porque é estranho pensar que duas pessoas que nunca se encontraram pudessem ser tão amigas. E agora me contam que você está se preparando para o momento de ficar encantado...

Foi-me dito que você tomou a decisão de viver o resto da sua vida da forma mais livre e mais corajosa. A vida é preciosa e deve ser bebida até sua última gota. Quando chegar a minha vez espero ter a sua liberdade e a sua coragem. A vida é bonita e é preciso que a morte seja bonita também. É trágico que nos dias de hoje, como resultado da parafernália médica, a morte tenha se tornado feia, solitária e amedrontadora. Um dos nossos poetas chamou a morte de ‘minha mais nova namorada’... Talvez ele estivesse pensando na morte como a Pietà — a morte como uma mulher que recebe o nosso corpo no seu colo.

Tenho um lugar nas montanhas. Há riachinhos, cachoeiras, árvores, pássaros de todos os tipos, de tucanos a beija-flores, e borboletas... Lá de cima eu vejo o horizonte, ao longe... Dentro de mim mora um menino. E esse menino fez um balanço numa árvore. E quando estou balançando, tentando tocar as folhas com o dedão do pé, tenho a impressão de que estou quase voando... Lá há um jardim encantado onde planto árvores para meus amigos que morrem. Já plantei minha própria árvore, pois nunca se sabe ao certo quando a nossa hora vai chegar.

Todas as árvores são de florestas tropicais com uma exceção: um pinheiro canadense, nome científico ‘liquidambar’, com folhas como mãos abertas com dedos esticados. Por muito tempo procurei essa árvore, sem sucesso. Mas uma amiga me deu uma muda como presente de aniversário. Eu a plantei numa encosta de onde se vê o horizonte. Acho que ela está gostando do clima. Mas ainda não lhe dei nenhum nome. Será que você concordará se eu lhe der o nome de Ladon Sheats? Assim, quando alguém me perguntar pelas razões daquele nome, eu contarei a sua estória... E as pessoas saberão que há, nesse mundo, pessoas bonitas que tornam a vida digna de ser vivida...

Estou lhe enviando esse livro que escrevi para minha filha, quando ela tinha 3 anos. Era cedo de manhã. Eu ainda estava dormindo. Ela saiu do seu quarto, veio até o meu lado, me acordou e me perguntou: ‘Papai, quando você morrer você vai sentir saudades?’ Eu fiquei perplexo, sem palavras. Ela não havia tido nenhuma experiência com a morte.

Como é que aqueles pensamentos apareceram na cabecinha dela? E então ela acrescentou: ‘Não chore porque eu vou abraçar você...’ Essas palavras se tornaram no centro da estória 'A Montanha Encantada dos Gansos Selvagens'. Não importa que você não entenda português. Aceite esse livro como um sacramento de amor. Nós nos encontraremos algum dia, em algum lugar... Seu amigo e irmão, Rubem Alves.”

* * *
Sempre que ouço a canção 'The Lord of the Dance', seja no CD 'Simple Gifts', seja no 'Appalachian Spring', seja na menina que toca a flauta doce, eu me lembro do Ladon Sheats.

A árvore está lá na montanha em Pocinhos do Rio Verde, subindo para os céus. Mas eu fico triste porque o liquidambar ficou mudo. Não conta mais estórias...

Por Rubem Alves

Fonte: Correio Popular - 02/02 - 2014

Chapecó: O Bombeiro que mata e o Advogado que Mente

''(...) Mulheres que denunciam mas não representam judicialmente contra os covardes que ameaçam, agridem e matam, morrem duas vezes: morrem espiritualmente e morrem fisicamente.''

Acompanhei na imprensa local a apresentação do ''LOUCO FACEIRO'', Bombeiro Militar que assassinou a mulher e a sobrinha (enteada) no ultimo sábado aqui em Chapecó. Qual a conclusão da entrevista do advogado?

Contraditória e mentirosa, e não precisa ser especialista pra perceber as frágeis, ridículas e miseráveis declarações por ele apresentada para justificar tamanha atrocidade cometida por seu ''DEPRI FINGIDO'' cliente ! 

Mesmo não sendo psicólogo ou psiquiatra forense eu queria o acusado em minha mesa da retórica para algumas perguntas e depois o advogado também. Alguns minutos para apresentar a descrição covarde do acusado e a mentirocracia contraditória do defensor.

O pai da menina esta correto! Tem que colocar o bandido na cadeia e não em prisão militar. Nesses últimos anos estudando a questão da violência também dentro das instituições militares a conclusão que se tem é que a impunidade é um direito garantido aos bandidos desse segmento. Os mesmos que usam da farda para cometer crimes e atos covardes e justificam tais ato com stress, depressões e acidentes e tem a tutela do estado que os protege sob a égide do tal regimento interno.

Aprendi na acadêmia que um bom e permanente estudante da filosofia só terá dois medianos adversários pra debates: o Jornalista que vai tentar nos pegar em contradição pelas perguntas e o Advogado porque a verdade esta na lei. Então vejam as declarações de defesa do advogado :   

Declaração do Advogado:
"Meu cliente não premeditou tal crime, aconteceu por desentendimento no local e acidente por disparo"

Contradição:
Ainda no sábado a noite após o ocorrido familiares disseram que receberam ligação do acusado em que o mesmo dizia estar a caminho para cometer tal crime. Se não bastasse após ter assassinado a mulher e a sobrinha ligou pra ex sogra e vó de menina dizendo que havia matado as duas. 

Declaração do Advogado:
Meu cliente não ameaçou ninguém e muito menos algum colega de trabalho?

Contradição:
Mentiu de novo. Pois o mesmo já tinha recebido punição dentro da corporação com apreensão da arma alguns meses atrás, e colegas registraram ocorrência por ameaças. Além do que a pergunta: Se ninguém foi ameaçado porque havia policiais fazendo guarda em frente aos bombeiros e na casa de familiares das vitimas?

Declaração do Advogado:
Meu cliente esta em depressão, e com transtornos de consciência.

Contradição:
O deprimido cometeu os crimes e teve lucidez para ligações e fugir com seu veículo para a região norte do estado sem problemas algum. Tudo aponta premeditação, do ato cometido a fuga orquestrada, e apresentação a policia combinada por telefone após 48 horas pra fugir do flagrante. Será que ele esta com problemas psíquicos mesmo? 

''ELE ESTAVA DOENTE!'' -  Doente estava o Estado que selecionou, qualificando um cidadão como ele pra trabalhar com vidas dentro de uma instituição tão valorosa e séria como os Bombeiros.

Queria o profissional responsável pela aprovação psicológica do mesmo na etapa do Concurso pra mim fazer as mesmas perguntinhas que faço aos psicólogos que traçam perfil de funcionários para trabalhar em empresas. Métodos ineficazes, pífios, que não dizem nada, e poderia citar as centenas de milhares de caso que conheço. 

Se a consciência é realmente o inferno da vida, um minimo de lucidez é suficiente para que o resto dos dias se tornem um grande inferno. Existem casos que o melhor julgamento é aquele desprovido do legalismo que inocenta, pois para além disso é somente a impunidade. 

Tragédias como essa deixam o rastro de uma verdade triste: Mulheres que denunciam mas não representam judicialmente contra os covardes que ameaçam, agridem e matam, morrem duas vezes: morrem espiritualmente ao perder a liberdade de decidir  e  morrem fisicamente porque sua vida será ceifada a qualquer momento. 

Essa é a verdade maior e os números dizem isso! Tristemente!

Neuri Adilio Alves
Professor  Pesquisador

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

ESTUPIDEZ INGLÓRIA

Publicado em 23/01, Nei Alberto Pies

“A vida não é qualquer coisa mas é sempre, simplesmente, a ocasião para qualquer coisa” (Viktor Frankl)

Faz bom tempo que a criminalização daqueles e daquelas que lutam por melhores condições de dignidade humana vem sendo denunciada. Mas parece que esta violência, como outras tantas, repete-se. Alguns até passam a aceitá-la como compatível aos padrões de convivência social. O Estado, instituído como guardião dos direitos, é o primeiro que os viola quando reprime violentamente aqueles e aquelas que se organizam pacificamente para buscar educação, terra, trabalho, saúde, segurança, lazer... Estaríamos desaprendendo democracia? Sem liberdade de expressão e de organização, que democracia estará sendo construída?

A ordem, associada ao progresso, parece mover novamente o imaginário daqueles que veem a democracia no ideal, no abstrato, difícil de ser construída. Nem todos estão convencidos de que a democracia pode ser desordem, uma vez que “não existe democracia sem caos, confusão, entropia. A democracia é o sistema do dissenso. Na verdade, a democracia é um equilíbrio instável de ordem e desordem. Em alguns momentos, a desordem é mais importante do que a ordem. Tudo, claro, depende do grau de ordem e desordem” (Juremir Machado daSilva).

A criminalização é a face perversa do Estado e da sociedade que não permitem que a cidadania exerça a condição de sujeito de direitos. Quem luta por seus direitos, e pelos direitos dos outros, é facilmente taxado de criminoso, acusado e condenado sumariamente. Os estigmas e preconceitos sociais atribuídos àqueles que lutam provocam impactos negativos para o exercício da condição de seres humanos, cidadãos e seres de vida social. Assis da Costa Oliveira define a criminalização dos movimentos sociais como sendo: “uma ideologia que possibilita um conjunto de práticas de cunho repressivo, repulsivo e/ou permissivo, com conseqüências físicas, mentais e sociais para o movimento e para as pessoas nele contidas”. Existirá agressão maior do que esta? Não importa se maior ou menor, sempre agressão!

Os consensos é que constituem a ordem democrática, muito antes das leis e das imposições arbitrárias. Mas, como perderam-se as causas, sobraram os interesses. Poucas causas sociais e humanitárias são capazes de mover e agregar, daí a dificuldade de construir consensos e acordos. Os interesses, pessoais, econômicos e corporativos, sucumbem as possibilidades de pôr as estruturas de organização econômica, social e política a favor da dignidade humana.

A democracia nasceu das palavras, da retórica e da persuasão. Com as palavras em descrédito, sobraram atitudes típicas da pré-história. Valeria assistir ao filme “A guerra do Fogo” para dar-se conta da estupidez inglória. Como escreve Marcos Rolim, “a democracia que temos já não tem política. Nela, o futuro se ausentou porque as palavras não autorizam expectativas. Será preciso reinventá-la, entretanto, antes de desesperar. Porque o desespero é só silêncio e o melhor do humano é a palavra”.

Nei Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos

Fonte:
http://boletimodiad.blogspot.com.br/