sexta-feira, 23 de agosto de 2013

CHAPECÓ – UM ABISMO DA IMPUNIDADE NO BRASIL

O filósofo Nietzsche escreveu em seu Zaratustra em 1883: "O homem é corda distendida entre o animal e o super-homem: uma corda sobre um abismo; travessia perigosa, temerário caminhar, perigosos olhar para trás, perigoso tremer e parar."

Eis que nos encontramos diante desta 'corda', na fronteira do abandono, na ausência do Estado, em labirintos da incerteza e trevas da insegurança. Não é segredo ou novidade a ninguém as inserções de violência ocorridas contra simpatizantes, lideres comunitários e militantes políticos da esquerda na cidade de Chapecó. Embora há muito tempo implantado na cidade uma espécie de 'Maniqueísmo Ideológico' proposto na ideia sectária do “Bem” enquanto (Direita) e a personificação do “Mal” centrada na Esquerda, ocorrem estas ameaças embora muitas delas de forma verbal, mas propositivas. E após o episódio que encravou em nossa história um paragrafo de vergonha nacional no crime bárbaro e covarde cometido contra o vereador Marcelino Chiarello, levou muitos como eu a emitir a seguinte pergunta: Quem seria o próximo? Agora que já temos, reformulamos a pergunta: Quem será o próximo?

Nestes dias tivemos o nome, rosto e posição político ideológico no caso envolvendo o assessor do Vereador Paulinho da Silva do PCdoB, Patrick Monteiro. A grande verdade é que todos nós estamos nos equilibrando sobre esta corda estendida que separa uma espécie fissura, profundo abismo da impunidade, aberto logo após o laudo fictício que tentou declarar como suicido a morte do então vereador Chiarello. Por isso, enquanto todo e qualquer cidadão comprometido com as causas sociais tenta se equilibrar sobre este abismo, há outros que balançam a corda com ameaças, enquanto outros ainda esperam com suas lanças afiadas pela xenofobia a esquerda, e as lutas sociais.

Existe um poder primitivo que emana de foice e machado nas mãos, como um desbravador primeiro que expulsou, matou índios e caboclos que aqui habitavam. Existe uma hegemonia de autoprotecionismo que leva os covardes a levantarem sua voz, emitirem suas ameaças e concretizarem seus atos sobre qualquer cidadão que no uso direito democrático questione a maldita estrutura que parasita a cidade de forma livre e imune de qualquer punição. O mais assustador nisso tudo é a brecha do precedente que nos leva a duvidar da atuação ética dos órgãos de investigação.

Agredir simpatizantes e assassinar militantes políticos de esquerda se tornou comum, pode virar mantra repetido e modalidade xenofóbica, opção de mercado, eugenia de classe. Vai se tornando clichê maldito e sinônimo de paz de bandidos que fazem o sítio do poder e estrutura por aqui.

Fica fácil de agir e concretizar a vontade de minorias setorizadas, quando se justifica fazer segurança pública somente com publicidade. Declarando assassinatos como suicídio, fazendo do Data Show planilha de eficiência com números de 'BO' (Boletim de Ocorrência), diligências e imagens de Câmaras de monitoramento, este Big Brother, cretino, paliativo e tendencioso.

Fica fácil apresentar dados com prisão de 'ladrões de galinha' porque ele rouba pra comer, pra vender, trocar, se expor e não mais está preocupado se vai ser detido na próxima esquina.

Fica fácil aprender o viciado em drogas, ladrão de farol, por que ele nem foge mais, furta a bolsa, o celular, a carteira, e até tira a vida da vítima pra sustentar o seu vicio no lucrativo mercado do tráfico. Porque em Chapecó virou uma visível e sangrenta chaga maldita, onde uma grande estrutura da sociedade lucra como mercado comum em casas, apartamentos, bares, praças e esquinas, muitas vezes bem próximo de Postos da Polícia. O crime esta por toda parte, não existe mais o local especificado, ou que cabe em planilha de dados fixos com justificativa de policiamento preventivo.

Os dados ilustrativos em RETROPROJETORES e DATA SHOW apresentados como receituário Estatístico e Eficiente não passam de piadas da Segurança Pública, naquilo que chamam de Ação da Inteligência, Técnico/Cientifico e Preventivo. Este deslumbramento com números expositivos não prova nada e se justifica apenas como política do lobismo publicitário e cômodo. Na prática ela não apresenta eficácia nem para 'Coibir' e muito mesmo para 'Prevenir', e piora ainda mais a situação abrindo uma lacuna de medo e insegurança em todo cidadão. Ou não foi o que aconteceu com o recente assassinato do vereador Marcelino Chiarello? - Que ao iluminarem os preceitos pragmáticos da impunidade, abriram o caminho livre as trevas do direito a barbárie.

A única certeza que deve servir a todos nós cidadãos Chapecoenses é que estes acontecimentos não podem cair no 'lacismo relaxado' da normalidade como aparenta desejar determinados setores. Pois aceitar como normal o assassinato de um vereador, um homossexual, um professor; esfaquear um advogado e militante de esquerda, espancar uma mulher, agredir uma criança ou qualquer atentado contra um ser humano é o sinal claro de que perdemos a grande essência do respeito à vida. Estamos perdendo o direito ao manifesto democrático, ao lugar livre da voz ativa na sociedade, e submetido a uma espécie de silencio obsequioso, cada vez mais refém de nós mesmos.

Mas acima de qualquer desconfiança, não podemos perder a essência da esperança que nos move, pois é dela, nela e por ela que esperamos o grande levante das colunas de justiça, primeiro como direito constituído por via legal, ou em última e insana necessidade como justificativa de nossa defesa pessoal. Ninguém mais estará seguro e muito menos apto a dar condições de confiabilidade a qualquer órgão do aparelhismo legal da ineficiência enquanto ele não der resposta coerente e concretas as atrocidades cometidas na turbamulta de nossa cidade.

Pois o estado real das coisas em Chapecó nos leva a optar por apenas dois caminhos a nossa frente: ou nos tornamos como lobos em estado de natureza ao modo do Homem em Thomas Hobbes, ou simplesmente nos colocamos como ovelhas creditadas a imolação em campo aberto numa esquina qualquer do velho, atual e futuro Xapecó. Porque tudo o que temos até agora a nossa frente é um sombrio 'Abismo da Impunidade', que após o ciclo da madeira, do frango, do suíno, parece abrir o caminho para o inicio do ciclo dos assassinatos em série também! 

A impunidade parece ter se tornado 'fetiche material' de assassinos de aluguel, e alguém está pagando alto neste sarapatel do tudo pode, em nome do que possam esta justificando como caminho do ''BEM''. Ou os órgãos públicos de investigação e responsabilidades com a justiça vão nos provar o contrário?

Na hora do ataque guerreiro forte, gritai bem alto o nome do agressor, do assaltante de dignidade, do ladrão de liberdades nas terras do Xapecó. Antes de qualquer morte guerreiro forte, gritai bem alto o nome do assassino, do usurpador de direitos, do ameaçador e covarde, do enviado colonizador!”
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Professor Neuri Adilio Alves
Formado em Filosofia, Esp. Antropologia Filosófica

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A MEDICINA DE MERCADO PERDEU O JOGO – VITÓRIA DO POVO

"(...) no Brasil todo Bacharel em Medicina adora colocar o DR (Doutor) antes do nome, embora eu acredite que pra ficar mais completa a formação também se poderia acrescentar a sigla 'PH' Pura Hipocrisia e assim estaria completa a formação!!!"

Como se esperava toda gritaria seria dissolvida na necessidade de atenção que o povo tanto necessita no atendimento à saúde. Fora mercenários anestesiados, proselitistas do acúmulo financeiro e mazelas provenientes das indústrias da doença que alimentam os grandes laboratórios de medicamentos e todo cartel da produção de equipamentos hospitalares e afins. 

Quem venham os médicos estrangeiros aos milhares pois o julgo da formação é faxada de fuga aos desesperados pelo lucro em consultas de alto custo e suas forjadas complexidades. Pois:

(?!) - Quem não sabe que estes dois anos acrescidos na formação que julgam fazer tanta diferença, mata centenas de pacientes por mês em hospitais pelo Brasil tanto por abandono como por erros na aplicação de medicamentos de médicos plantonistas?

(?!) - Quem não sabe dos acúmulo de processos provenientes das centenas de mutilados por procedimentos cirúrgicos mal realizados? 

(?!) - Quem não sabe que 90 % dos recém formados precisam de manuais ao lado da mesa para atender o paciente quando entra para consulta? 

(?!) - Quem não percebe que os médicos formados no Brasil mesmo com mais de 7 mil horas de estudos saem mal preparados porque a medicina passou alimentar um mercado de certificados por quem pode pagar? 

(?!) - Quem já não sentiu na pele o atendimento 'porco e desleixado' em algum hospital ou unidade de saúde aqui no Brasil, dos grandes centros ao lugar mais distante? 

(?!) Quem nunca ouviu falar ou sentiu na pele os inúmeros relatos de MÉDICOS BRASILEIROS pagos pelo SUS que abandonam o atendimento em Pronto Socorros, Unidades de Saúde no meio do expediente? Acrescente-se a isso, as centenas de vezes que nem aparecem para atender os pacientes mesmo remunerados para este fim. 

(?!) - Quem nunca ouviu falar ou sentiu na pele o suborno de um médico que ao realizar cirurgias pelo SUS, cobra acréscimos e subsídios financeiros do paciente como forma de garantir o atendimento? 

(?!) - Quem não sabe que a desculpa de que o médico precisa falar bem o português é uma grande falácia, quando a grande maioria dos médicos Brasileiros poucos conversam com o paciente nas consultas, e as vezes nem olha na cara? 

(?!) - Quem? Quem? Quem? Quem? Quem? Quem? ????????? 

Todo e qualquer discurso com o propósito de desqualificar profissionais provindos de outros países é 'Xenofobia Corporativa', por parte de entidades como CRM, CFM, CNM ( e o escambau) com todo sistema de convênios. Até porque, se formação fosse o grande diferencial teríamos centenas de brasileiros entre os médicos premiados anualmente e nem nas revistas internas de ciência o temos. 

Por fim coloquem seus jalecos façam a maquiagem da cara limpa e vão pro trabalho em seus consultórios particulares como foi o propósito de vossa formação que o preparou para sustentar indústria da doença. Pois os médicos da família provindos de outros países vão fazer o que rege os princípios universais de direito a vida, acesso as políticas públicas e o contido no vosso juramento de Hipócrates: 

''Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência. Penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, o que terei como preceito de honra. Nunca me servirei da minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, goze eu para sempre a minha vida e a minha arte com boa reputação entre os homens; se o infringir ou dele afastar-me, suceda-me o contrário.'' 

Quem venham aos milhares os “MÉDICOS” de outros países, porque no Brasil todo Bacharel em Medicina adora colocar o DR (Doutor) antes do nome. - Sim, eu escrevi ''Bacharel em Medicina'' porque o termo 'Diploma Médico' é conceito corporativista! Embora eu acredite que pra ficar mais completa a formação também se poderia acrescentar a sigla 'PH' Pura Hipocrisia e assim estaria completa a formação!!!

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Professor Neuri Adilio Alves
Formado em Filosofia, Esp em Antropologia Filosófica Existencial.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

UMA PROVA PARA OS PROFESSORES

Profª. Irene Reis dos Santos
Se você tem uma mente calma, será uma pessoa bela.
Se você é uma pessoa bela, criará um lar harmonioso.
Se o seu lar está em harmonia, sua nação se encontrará em ordem.
Se em sua nação há ordem, haverá paz no mundo.”  Lao Tsé

Se bem compreendida a profundidade das palavras de Lao Tsé[1], é possível começar a empreender verdadeiras mudanças na Educação. Pensemos: quanto do tempo escolar é destinado atualmente ao desenvolvimento humano?

Somos testemunhas impotentes de atentados protagonizados, em muitas ocasiões, por pessoas com formação acadêmica, o que incita em nós espanto e perplexidade. Os veículos de comunicação expõem cotidianamente feitos de criminosos que parecem não valorizar suas vidas, menos ainda a alheia. Matam de maneira atroz e ainda nos perguntamos retoricamente: por quê?

E para esta resposta que não se delineia concretamente somam-se muitas outras, para muitas indagações que povoam nossa mente: que padrão de beleza estamos criando?; até quando exaltaremos a beleza construída nas academias, nas clínicas de estética, expostas em desfiles de moda, a beleza exterior, enfim, sem observar de fato como está o interior de cada indivíduo que nos cerca?

No mundo corporativo sempre se culpa a Instituição pela permanência de ultrapassados modelos, como se ela fosse um ser abstratamente personificado, a quem possa ser imposto um julgamento. Talvez, confortavelmente, ignore-se que quando um indivíduo é diferente ou muda, promove a diferença e as mudanças, desde que não se amolde antes ao velho. Foi isto que se perguntou a antropóloga Margaret Mead[2]: “Quem disse que um pequeno grupo de pessoas comprometidas não pode mudar o mundo?”

As pessoas têm sonhos, objetivos pessoais? Como vão em busca deles? Quais são os modelos sociais de sucesso que os jovens vão escolher imitar? Em que circunstâncias a escola os ajuda nessa escolha? Os professores têm tempo (frente a todos os conteúdos elencados no planejamento) para perguntar aos alunos quais são seus ídolos, quais são seus modelos? Qual é para o aluno, o sentido da vida?

Sabe-se, por meio de ensinamentos do mundo publicitário que, uma ação individual leva a um comportamento contagiante. Por que, então, ainda não se investe fortemente em mudança de comportamento? Por que, nas escolas, continuamos tendo como base fórmulas tão antigas quanto entediantes? A quem convém que perdure este estado de coisas?

O sociólogo Jonathan Crane[3] propõe a ideia de que há um ponto chave na sociedade que deve ser observado e estudado de maneira crítica e atenciosa. Segundo ele, quando a quantidade de pessoas que servem como modelos sociais fica abaixo de 5%, a comunidade torna-se disfuncional, como demonstram os aumentos dos índices de gravidez na adolescência, abandono escolar, envolvimento com drogas e violência. Por outro lado, se o número de pessoas que servem como modelos (comerciantes, professores, gerentes) está entre 5% e 40%, as comunidades mantêm-se estáveis e funcionais.

Entre os jovens, quem hoje ousa sonhar em ser professor em países como Brasil ou Argentina? Do que mais precisamos para chegar à conclusão de que, salvo poucas exceções, vivemos em uma sociedade disfuncional? Coragem tem quem, diante de tal realidade, ainda procria, contrariando a ideia machadiana: “não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.[4]

Apesar do esforço deste e de alguns em não transmitir nem perpetuar a miséria humana, outros o fazem e aí está nosso mundo com muitas crianças a serem formadas, conduzidas, preparadas. 

Assim, aos educadores não há alternativas senão facilitar seu desenvolvimento saudável, torná-las autônomas e capazes de trilhar seus próprios caminhos, respeitando o de outros.

Mas urge começar por um desenvolvimento pessoal, um investimento individual, reinventando-se, mudando e se transformando em um modelo social positivo e belo, digno de ser imitado.

Se, além de refletir, a proposta aqui fosse também responder as perguntas para nota de uma prova final, muitos de nós – educadores – já estaríamos reprovados e carregaríamos o peso do fracasso escolar. E, ainda que não valha nota, podemos nos livrar da sensação de fracasso se não mudarmos nada?

Profª. Irene Reis dos Santos
LETRAS PORTUGUÊS/ ESPAÑOL - USP
Professora, tradutora, autora, revisora, leitora crítica.
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- Lao tze, Laozi, Lao-tse ou Lao Tzu são pronúncias ocidentalizadas para o título do misterioso personagem da filosofia antiga chinesa, cujo nome real seria Li Er ou Lao Dan. 

[2] Margaret Mead foi uma antropóloga cultural norte-americana. Nasceu na Pensilvânia, criada na localidade de Doylestown por um pai professor universitário e uma mãe ativista social. 

[3] Jonathan Crane, sociólogo da Universidade de Illinois 

[4] Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance escrito por Machado de Assis, desenvolvido em princípio como folhetim, de março a dezembro de 1880, na Revista Brasileira, para, no ano seguinte, ser publicado como livro, pela então Tipografia Nacional. 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

SEM FILOSOFIA... NEM PENSAR!

Filosofar é pensar. Não um pensar qualquer. Não é um pensar solto no ar, perdido no mar, um ir-e-vir por aí. Não é jogar pôquer, apostar para ganhar tudo ou alguma coisa perder. Ou tudo perder e chorar sobre o pensamento derramado. 

Filosofia é pensar dia a dia no dia-a-dia. Pensar é desfiar o fio da meada. Penso, logo desconfio. Pensar a prece, a pressa, o peso, o passo, a pizza, o poço, o prato, a prata, o porquê do epitáfio, as razões do rififi. 

Filósofo é aquele que pára para pensar. Pára para não parar de pensar. Pensa para comer o pão com o suor de sua mente. Pensa, logo alonga, longínquo pensamento que o deixa tão perto de tudo. Filósofo só pára de pensar para pensar em que está pensando. 

Filosofal viver. Filosofal andar. Filosofal tropeçar. Filosofal cair, e encontrar na queda outros motivos para mais filosofar. Filosofal sentar sobre a pedra filosofal. Idéia tanto bate sobre a pedra, tanto bate até que o pensamento perdura. 

Filosofante caminhar, o homem sobre o elefante, o elefante sobre a terra, a terra sobre o vento, o vento filosofante venta para onde quer. O filosofante gigante sobre os ombros de um anão também verá mais longe. 

Filosofema retira algemas, descobre o filósofo da gema, faz nascer antenas, penetrar esquemas, abordar todos os temas, reler o poema, inspirar-se no cinema, valorizar o pequeno, o fenômeno, o dilema, remar contra ou a favor da maré. 

Filosofice é sempre um risco. Ninguém está livre de pensar contra o pensamento. Ninguém está livre de se aprisionar uma vez mais. Ninguém está livre de pensar que pensa, e despencar do altar que ergueu para si mesmo, confundindo filosofia com empáfia. 

Filosofismo é outro risco. Belo risco, afinal, porque somos todos capazes de filosofar. O filosofismo é a filosofia que virou jogada, pretexto, mania, suborno, insulto. O filosofista finge que pensa, e por isso parece pensar melhor que o próprio pensador. 

Filosófico texto, contanto que as palavras abram nossa mente e nos façam mentar o mundo. Que o texto filosófico não seja apenas manobra, cobra preparando o bote, veneno que paralisa o leitor e o devora pouco a pouco. 

Filosofar, enfim, é começar a pensar sem fim. É pensar quando não se pensa em nada, pensando em tudo. Pensar como sempre. Como nunca. 


Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP – Escrito em 21-Novembro de 2008
Fonte: Web Site: http://www.perisse.com.br/

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

SAÚDE É PAZ

Por Jaime Sautchuk

"(...) saúde, além de ser um direito de todos, estejam onde estiverem, é fator de bem-estar social e significa paz."

Outro dia, em meio aos embates sobre as reformas que o governo federal pretende fazer no campo da saúde do País, aceitei encarar um exercício simples, mas muito expressivo, chocante até. Foi uma passada de olhos nas fotos das turmas de formandos em Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), nos últimos 20 anos.

A sociedade baiana é a que tem maior densidade de negros, ou afrodescendentes, entre todas as unidades da federação. Ao visualizarmos as fotos, contudo, o que chama a atenção na lata é a quase completa ausência de rapazes e moças negras nas fulgurantes turmas de formandos.

Fica claro, pois, tratar-se até os dias atuais de um privilégio de branquelas, filhos de gente rica, jovens que no mais das vezes cursam o ensino fundamental e médio em colégios privados, com reforços de cursinhos preparatórios. E entram em universidadespúblicas. Mas isso vem de longe.

A Medicina da UFBA é o primeiro curso de ensino superior do Brasil. Foi criado por D. João VI, quando da chegada da família real ao Brasil, e funciona desde 18 de fevereiro de 1808. Formava, já no seu nascedouro, filhos da aristocracia e, depois, da surgente burguesia brasileira. O mesmo processo se deu no resto do país, ao longo da história, pois assim sempre formamos os profissionais da Medicina.

Isso explica as distâncias que existem em nosso sistema de saúde, a começar pelo acesso do cidadão a esses serviços, já que os médicos formados vão, na maioria, para o setor privado. Vão cuidar da sua vida. Embora boa parte descambe para a pesquisa e para a Medicina de ponta, esta também acaba servindo a poucos. Explica, de igual modo, a maior parte das posições que temos visto nas mais diversas manifestações desses profissionais, contrárias aos acenos de mudanças que surgem no País. São, no fim das contas, posturas conservadoras, por mais argumentos que usem tentando justificá-las.

Aliás, alguns desses arrazoados, vistos isoladamente, têm até base, como é o caso do plano de carreira. Ou a falta de estrutura física. Mas, isso não altera o conteúdo central das manifestações, que é de manter as coisas como estão. Até porque, neste aspecto mesmo, o setor privado tampouco tem plano de carreira para médicos e outros profissionais.

O fato é que as medidas agora adotadas pelo Governo Federal neste campo vêm em um momento em que o País já não suporta mais a precariedade do atendimento de saúde. São ações mais do que bem vindas pela maior parte da população brasileira, mesmo a parcela que mora nos grandes centros urbanos.

Tudo começa, em caráter emergencial, pelo programa Mais Médicos, que objetiva atrair profissionais para áreas desprovidas desse serviço, mesmo que esses tenham que vir de outros países, onde não haja carência deles. Também de imediato, a ideia é formar mais profissionais e incluir a atividade prática nos currículos universitários.

Neste ponto, a proposta inicial do governo era a de acrescentar dois anos de residência médica dirigida aos currículos dos cursos. Contudo, esse tempo a mais já foi deixado pelo caminho, mas a exigência de dois anos de atividade prática, na forma de residência,no Sistema Único de Saúde (SUS), junto a comunidades país afora, ficou mantida, e é considerada essencial.

Já no ano que vem, serão gastos R$ 5,5 bilhões para construir e equipar mais hospitais e postos de saúde, como forma de criar estrutura para a atividade do médico e demais profissionais de saúde. E será duplicado o número de faculdades de Medicina no País, não se saber com que nível de qualidade. Contudo, prossegue a gritaria e protestos de entidades que falam em nome da categoria, quando deveriam ser elas as primeiras a atentar para um drama que é inquestionável. Uma realidade que fica cada vez mais evidente por meio das novas formas de comunicação, que desmontam alguns tabus e simulações bastante tradicionais.

As novas mídias escancaram o fato de que o exercício da Medicina não está vinculado a algum talento excepcional ou dom quase místico de poucos eleitos. É, isto sim, uma possibilidade de todos, desde que 
quebradas as barreiras que impedem o acesso do cidadão negro da Bahia, por exemplo, ao mais antigo curso do Brasil.

As entidades deveriam se aperceber, também, de que elas tampouco ainda representam verdadeiramente suas categorias. É vergonhoso lembrar o caso do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), que pagou horas extras e bônus de taxi para seus funcionários vestirem branco e irem a uma manifestação que seria de médicos, na Avenida Paulista. Ou seja, cair na real de agora em diante seria o melhor que essa gente faria. Caso contrário, irá bater de frente não apenas com o governo, mas com o próprio cidadão até hoje privado dos serviços de saúde, só que mais bem informado. Para haver embates de rua, é daqui pra acolá. O bonde da história está passando.

É, pois, o momento de se construir e consolidar um consenso de que saúde, além de ser um direito de todos, estejam onde estiverem, é fator de bem-estar social e significa paz.

*Jaime Sautchuk é jornalista, ambientalista e cidadão brasileiro

sexta-feira, 26 de julho de 2013

POBRES E O QUE MAIS ...

Por Nei Alberto Pies 

“Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados, engordados, magros demais, cegos, inteligentes em excesso, bons demais para aquele cargo, excepcionais, narigudos, barrigudos, joelhudos, de pé grande, de roupas erradas, cheio de espinhas, de mumunha, de malícia ou de baba. Aí estão, doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo ser, sendo muito mais”.(Artur da Távola) 

Escrever e pensar a partir dos pobres não gera status social, nem dividendos econômicos. Lutar com eles e por eles gera reações raivosas e incomoda aqueles que desejam manter privilégios. Aqueles que lutam com e pelos pobres sabem que estes precisam ser defendidos não porque sejam bons ou maus, mas porque são vítimas de um sistema econômico e político de exclusão, que não gera oportunidades em igualdade de condições para todos. Para quem ainda duvida disto, eis o que foi anunciado pela ONU: “90 milhões de pessoas devem cair em condição de pobreza extrema até o fim deste ano no mundo por causa da crise econômica mundial”. 

Difícil crer que as pessoas pobres e excluídas não sejam vítimas; autores é que não os são; não escolheram viver na indignidade. Vítimas necessitam de defesa, ajuda e amparo, para que se lhes resgate a condição de dignidade. Dignidade confunde-se com liberdade, na busca que cada ser humano faz para constituir-se gente. Como disse Cecília Meirelles, “liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta e não há ninguém que não a busque e ninguém que não a entenda”. 

Muitos perderam a noção de pertença à humanidade e não cultivam mais valores solidários. São moldados pela ideologia dominante que sugere que “a cada um é concedido conforme o seu empenho, o seu esforço, o seu talento”. Logo, a conclusão de que pobres são pobres porque assim o desejam. Ou que a condição de pobreza é resultado da falta de esforços e de vontade de cada um e cada uma. Outros desejam “enquadrar” os excluídos a partir de dados e estudos estatísticos, supondo que todos respondem do mesmo modo, mesmo nas diferentes adversidades e peculiaridades de vida de cada um. 

A inclusão dos pobres na sociedade não é nada natural. Inclusão pressupõe reconhecimento recíproco da nossa condição de seres humanos, com necessidades básicas para viver bem. Exige também reconhecer-nos todos capazes de fazer nossas escolhas e desenvolver nossas habilidades e potencialidades. Supõe também dividir a riqueza e a renda, que resulta do trabalho e da tecnologia produzidos por todos. Significa construir oportunidades em igualdade de condições para todos, indistintamente. 

Somamo-nos à Cláudio Brito, quando escreve interinamente na coluna de Paulo Santana do Zero Hora, dia 10 de julho: “precisamos encontrar formas de organizar a cidadania e a solidariedade dos muitos que ainda se compadecem com o sofrimento alheio dos excluídos. Quem doa esmolas ainda acredita que vidas podem ser recuperadas e salvas.” 

Na democracia, deveríamos dar a todos o mesmo ponto de partida, pois o de chegada pode depender de cada um. “A verdadeira democracia não tolera a existência de excluídos”, disse Herbert de Souza, o Betinho. Só a solidariedade, no seu sentido mais amplo e profundo, será capaz de salvaguardar nossa condição de humanidade. Se “nascemos livres e iguais em dignidade e direitos” como preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos, temos obrigação de cooperar com os outros, em espírito de fraternidade. Assim, mais humanos nos tornaremos. 

*Nei Alberto Pies, professor, graduado em filosofia e com especialização em metodologia de ensino religioso, ativista da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (RS