sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Com o PCdoB, sim, nós podemos

Luciano Rezende *

Nas vésperas de seu 12° Congresso, um novo acontecimento enche de orgulho todos os militantes do Partido Comunista do Brasil: a escolha da cidade do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.

Tal conquista, somada à realização dos Jogos Pan-Americanos em 2007 e a eleição da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, é o corolário de um exitoso trabalho e simboliza a diferenciada intervenção comunista no governo Lula através do Ministério do Esporte. De fato, o PCdoB trabalha para o êxito deste governo progressista.

Pela primeira vez, em toda a sua rica história de mais de oito décadas de existência, o Partido do Socialismo ocupa um ministério e mostra a diferença entre as concepções marxista vigente e a liberal passada. Tais feitos seriam imagináveis nos governos entreguistas passados?

Prova cabal desse retumbante sucesso é o rancor e a inveja destilados pela oposição através dos seus jornais. São incapazes de esconder que torceram contra o Brasil. Mais que isso, chegam a ponto de insinuar que somos incapazes de realizar tais eventos e questionam o despertar da consciência e dos valores esportivos entre os brasileiros como algo secundário. Certamente se fosse José Serra nosso presidente (pé-de-pato mangalô três vezes) teria preferido investir na construção de mais cadeias para a juventude (vide o exemplo de São Paulo).

O PCdoB contribui imensamente pela superação daquilo que Nélson Rodrigues chamou de “complexo de vira-latas” (muito bem lembrado por Lula). O abatimento na auto-estima do povo brasileiro, martelado pelas elites que secularmente impuseram uma visão rebaixada da nossa formação, vem recebendo duros golpes. A contra gosto destes, reafirmamos: sou brasileiro e comunista, e não desisto nunca!

Mas a contribuição comunista na construção deste novo Brasil que está florescendo vai além do chamado trabalho “institucional” e é importante destacar a forte presença que tem nos movimentos sociais. O PCdoB deverá ser lembrado como o Partido que liderou o movimento “Fica Lula” em meio ao vendaval golpista desencadeado pelo episódio alcunhado pela grande mídia como “mensalão”. Sobretudo a juventude, liderada pela UJS - que teve destacado papel dentro da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) -, não caiu na cilada dos golpistas que clamavam ironicamente a volta dos cara-pintadas. A juventude comunista pintou a cara no dia 16 de agosto de 2005 e tomou as ruas de Brasília para dizer que estava “com Lula, pelas mudanças, contra a corrupção”.

De igual maneira, a luta de idéias travada pelo Partido vem sendo outra trincheira em defesa da plataforma mudancista. Diante de uma enxurrada de ataques canalizados pela direita conservadora, a palavra lúcida e consequente do PCdoB serve como mais um arrimo na sustentação do atual governo e uma alavanca para impulsionar as mudanças, disputando com as teses reacionárias os rumos políticos do país.

Por tudo isso, o 12° Congresso de PCdoB ocorrerá em um momento singular de nossa história e numa circunstância que nos permite reafirmar que o Partido vem adotando uma linha política correta, merecedora de elogios de diversas partes do mundo, justamente por trilhar um caminho próprio, assentado no marxismo, com as peculiaridades da conjuntura atual e de nossa realidade.

Desse processo congressual, já iniciado há alguns meses, deverá surgir um programa avançado, pautado na superação de novos desafios que se apresentam, e um Partido robustecido para a grande batalha eleitoral do próximo ano em que teremos o desafio de impedir o retorno à presidência da república aqueles mesmos que aviltaram e rebaixaram nossa nação.

Com o PCdoB ainda mais experimentado, calejado nas lutas “institucionais”, sociais e intelectuais, seguiremos em frente. Sim, nós podemos!


* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Da direção estadual do PCdoB - MG
* Opiniões aqui expressas não refletem necessáriamente as opiniões do site.

ONU  escolhe Brasil por unanimidade para o Conselho de Segurança

O Brasil foi eleito nesta quinta-feira (15) pela Assembleia Geral das Nações Unidas membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU. Foram 182 votos e nenhum contrário, de um total de 183 países votantes. É a décima vez que o Brasil ocupa um assento eletivo no Conselho - frequência só igualada pelo Japão. O país permanece em campanha por uma cadeira de membro permanente, dentro de uma reforma que democratize o Conselho de Segurança.

Foram também eleitos para o mesmo mandato 2010-2011 a Bósnia e Herzegovina, o Gabão, o Líbano e a Nigéria. O mandato dos novos membros é de dois anos - de 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2011.

O Conselho de Segurança estará composto em 2010 pelos seguintes países: Áustria, Japão, México, Turquia e Uganda (que cumprem mandato 2009-2010); Brasil, Bósnia e Herzegovina, Gabão, Líbano e Nigéria (eleitos para o mandato 2010-11), e os cinco membros permanentes, com direito de veto  (China, França, Estados Unidos, Reino Unido e Rússia).

As prioridades do Brasil como membro eleito do conselho incluem a estabilidade no Haiti, a situação na Guiné-Bissau, a paz no Oriente Médio, os esforços em favor do desarmamento, a promoção do respeito ao Direito Internacional Humanitário, a evolução das operações de manutenção da paz e a promoção de um enfoque que articule a defesa da segurança com a promoção do desenvolvimento socioeconômico.

Mais cedo, antes do resultado, o ministro das Relações Exteriores, Celson Amorim, havia dito que o Brasil se compromete a manter os esforços em favor “da paz internacional”.

Membro fundador da ONU, o Brasil tem tradição de contribuir para as operações de manutenção da paz da Organização. Em 1956, tropas brasileiras foram enviadas à primeira Força de Emergência das Nações Unidas em Suez. Desde então, o Brasil participou de mais de 30 operações de paz das Nações Unidas, engajando nelas cerca de 20 mil homens.

Atualmente, o Brasil contribui com mais de 1.300 soldados, observadores militares e policiais em três continentes. O maior contingente está no Haiti, onde um general brasileiro exerce o comando militar da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah), integrada por 17 países. O Brasil foi membro do Conselho de Segurança em nove biênios (1946-47, 1951-52, 1954-55, 1963-64, 1967-68, 1988-89, 1993-94, 1998-99 e 2004-05).

Com informações da Agência Brasil
16 de Outubro de 2009 - 0h43

“Anticristo”: Da mulher como ser histórico

Cloves Geraldo *

Em filme que trafega pelos gêneros suspense e terror psicológico, diretor dinamarquês, Lars von Trier, põe em discussão a permanência dos arquétipos que bloqueiam o entendimento do papel da mulher na sociedade moderna

“A natureza é a igreja do diabo”, diz Ela (Charlotte Gainsbourg) a Ele (Willen Dafoe) numa das cenas significativas de “Anticristo”, do dinamarquês Lars von Trier. Diz mais sobre todo o filme, que outras frases, não menos emblemáticas da trama. Em princípio pode-se pensar na floresta, com seus intricados códigos e ritos. Depois, com os obstáculos que surgem diante de do psicoterapêuta Ele, a frase expande o significado e o espectador percebe que se trata da natureza humana. Esta sim traz em si o arcaico que domina o ser humano. E emerge, muitas vezes, com uma multiplicidade de conteúdos. Dentre eles, o difícil equilíbrio entre a aceitação do outro e a superação dos instintos primitivos, que a religião ainda enseja. Eles surgem quando Ele mergulha não no inconsciente de Ela, mas no que esta constrói a partir das referências do sagrado e dos arquétipos da sociedade medieval, que ainda sobrevivem.
Pode parecer intricado, hermético, pelo contrário, Lars von Trier (“Dogville”, “Manderlay”) dota seu filme de uma trama cheia de suspense e de reviravoltas que mantém o espectador aceso. Parte de uma sequência quase banal, do casal Ele/Ela (o diretor não dá nome aos personagens) em pleno êxtase, enquanto o filho despenca da janela do apartamento. Uma mescla de inocência e prazer, que redunda em depressão e descontrole. A perda, em princípio, é o centro da trama. Ela é internada. Ele, mesmo com a resistência do médico da mulher, decide cuidar dela. Usa, para isto, o arcabouço da psicoterapia comportamental cognitiva, que aos poucos se mostra insuficiente. Existe sob aquele ser aparentemente depressivo outras camadas a serem desvendadas. E ele só o descobrirá ao levá-la para a cabana que eles possuem em plena floresta. Ali, entre árvores, plantas, rio e animais, cada gesto, atitude e reação irão mostrar-lhe a pessoa antes submersa.

Técnicas de psicoterapia revelam-se insuficientes

Existe uma mulher, Ela, com seus conflitos interiores, gerados pela perda do filho, e outra, mulher, Ela, cujo mundo exterior é revelado pelo entorno: floresta, animais, gravuras, escritos e reações. Enquanto ela luta contra sua depressão, projetando no marido seus impulsos destrutivos, ele ainda entende e tenta ajudá-la a superá-los. Mas quando ele descobre seu outro universo, Ele, ainda que psicoterapêuta; se perde. Seus parâmetros são insuficientes. Ele o percebe ao estar diante da corça em pleno parto, de pé, a fitá-lo; ou ao ver o pássaro, recém-nascido, ser devorado pelas formigas. E a raposa ensanguentada dizer-lhe: ”Reina o caos”. Existem leis próprias da natureza que não se harmonizam ou ao fazê-lo projetam um equilíbrio de difícil compreensão para Ele. Tudo se complica, quando Ele descobre que ela, que pesquisava para escrever uma tese sobre a execução de mulheres nas fogueiras da Idade Média, deixou o trabalho inconcluso.

Ele se vê diante de outra pessoa – Ela acumulou evidências sobre a permanência do arcaico na natureza humana. Tem a ilustrá-lo gravuras, pinturas e escritos. Isto ilustra quem ela própria é: dotada de instintos primitivos, dos quais ainda não se livrou. Vê-se, assim, incapaz de prosseguir o trabalho, pois se defronta com o próprio papel da mulher na sociedade medieval, que, malgradas as conquistas, ainda permanece - de reprodutora, de fonte de prazer, na qual se projetam o fetichismo, o desejo e a castração – esta configurada na ausência de pênis. Ele defronta-se, assim, com o desconhecido, algo para o qual não está preparado – a natureza em sua inteireza é maior e mais complexa do que suas técnicas terapêuticas. O gavião, ao comer o pássaro em formação, o mostra – ali não existe a complacência, a harmonia é ditada pela natureza do gavião – que se alimenta do que está à disposição, sem considerações éticas, morais ou conveniência.

Perda do filho se transforma em ódio

Daí fazer sentido a frase: “A natureza é a igreja do Satanás”. Todas as considerações sobre a construção da sociedade humanista, igualitária, pós-idade Média, caem no vazio. Os conflitos interiores, ditados pelo arcaico, permanecem. Se na sociedade medieval, controlada pela Igreja Católica, o papel da mulher era de ser apenas reprodutora, qualquer manifestação de desejo ou de autonomia, era punido com a fogueira. E a natureza aqui é identificada com o pecado; o que merece ser punido com o fogo, símbolo do inferno, reino de Satanás. Nestes termos o prazer é uma forma de pecado – enquanto o casal o desfrutava, o filho caia da janela. A autopunição de Ela se encaixa plenamente nestes parâmetros. Atestando a incompreensão que Ele, psicoterapêuta, tem da realidade construída (a sociedade de classe, com papéis definidos), mas que guarda seus arquétipos e ethos primitivos.

A incompreensão do papel histórico da mulher, revelado por suas manifestações exteriores (cartazes, desenhos, textos, a floresta e os animais), muda a maneira como Ele vê sua companheira. Aquela a quem queria tratar e curar; passa a ser empecilho para sua sobrevivência. Estabelece-se um conflito de vida e morte entre ambos. Lars von Trier encena-o em sequencias intensas, em que os papéis se invertem – ele que era passivo se torna ativo e vice versa. A paixão se transforma em ódio - um enxerga o outro como inimigo, a quem deve eliminar. Situações adversas à de “Império dos Sentidos”, quando Nagisa Oshima encena a castração, como resposta da amante ao desvario sexual do amado, e Ingmar Bergman a mutilação da genitália feminina, como símbolo da impotência da solitária moribunda, em “Gritos e Sussuros”. Ambos tratam do desejo, do prazer, enquanto Lars von Trier remete o espectador ao conflito entre o arcaico e o papel histórico da mulher.

Psicanalista analisa papéis dos parceiros

O psicanalista Sérgio Telles, em artigo para o Jornal “O Estado de São Paulo” (1) faz um leitura psicanalítica do conflito entre Ele e Ela. “Para a psicanálise, a destruição e a sexualidade são as duas forças em permanente conflito que movimentam o psiquismo. Elas são simbolizadas e estruturadas em dois momentos cruciais – nas vivências primárias com a mãe e, posteriormente, na configuração triangular edipiana. Para que a transição do primeiro para o segundo momento possa chegar a bom termo, é imprescindível que o sujeito passe pela castração simbólica, que o faz sair da relação indiscriminada e fusional com a mãe e aceitar o outro, com suas diferenças, entre elas e da maior relevância, a diferença sexual. Cada sexo passa de forma específica por este processo”.

“A partir deste contexto, no inconsciente, o homem tem dois motivos para temer a mulher. O mais recente em termos de desenvolvimento é o decorrente justamente da castração, cujo terror lhe é evocado pela visão do genital feminino. O outro motivo do temor que a mulher inspira no homem é mais arcaico e não é o medo da castração e sim o medo da aniquilação, da morte. Tal medo decorre de vivências muito precoces adquiridas pela criança no contato com uma mãe imaginada como não submetida à Lei, detentora de um poder absoluto, arbitrário e imprevisível, ao qual ela está completamente exposta em seu desamparo (...)”.

“Assim, quando a raposa diz para Ele que “O caos reina”, estaria se referindo ao caos do reino das mães, o caos da ausência da Lei paterna, o caos das organizações mais primitivas do inconsciente que subjaz sob a superfície consciente, racional, lógica. A enigmática cena final, na qual aparecem muitas mulheres na montanha onde ele está; talvez indique que, apesar de ter ele se livrado da mulher-mãe-bruxa, não pode mais escapar de seu poder, que retorna multiplicado. Não lhe restam mais saídas, está aprisionado no reino das mães, da natureza, da violência e da loucura”.

Filme envereda para o terror psicológico

Nestas sequências definidoras da trama em constante refundir, retirando delas significados que reforçam o entendimento do espectador, frente aos impasses de Ele, Lars von Trier envereda para o terror psicológico. Não se sabe de onde vêm as figuras que brotam da floresta – ele está cada vez mais fragilizado. As ferramentas que o tornavam tão seguro, agora o confundem. As reafirmações dela de que esteve sempre ausente, mesmo quando estava ao lado dela e do filho, se mostram verdadeiras. Ele nunca compreendeu o sentido histórico de seu papel enquanto mulher. Não é o físico, a fonte do desejo, ela é mais do que isto. Neste ponto, a narrativa se bifurca – Lars von Trier, roteirista, reforça o papel histórico dela, mulher, e as mudanças processadas e a processar. Fato para os quais Ele não atentou.

E o terror psicológico perde o sentido. Não é o terror em si, mas o simbolismo deste gênero, que leva ao transcendente, ao que foge ao entendimento de Ele. Lança, por isto, mão do sobrenatural. Justamente o que fazia a Igreja Católica durante a idade Média, ao identificar a mulher com o satanismo, notadamente quando entrava em seu ciclo menstrual. Daí a necessidade de eliminar o satanismo, a bruxaria, a fonte do sangue, e queimá-la na fogueira. Ele termina por chegar à mesma conclusão nestes tempos tecnológicos, confirmando a permanência do arcaico, do primitivo. Ainda que se veja a supremacia masculina no desfecho de “Anticristo”, ela tem um quê de enigma, de desarticulado. Sozinho, Ele é um ser perdido, incompleto. Ele só poderá ser o homem total, pleno, se conviver historicamente com Ela. Do contrário, viverá em permanente estado de perplexidade e ignorância.

Diretor faz novo uso do psicodrama

Nos rostos dos atores, cujos nomes dos personagens foram abstraídos, se estampa a tragédia. Com suas rugas e saliências, eles se entregam à encenação com intensidade. Não uma encenação qualquer; têm se ressaltar cada emoção contida ou desbragada, de horror total ou frustração, de ódio pelo outro ou instante de paixão. O psicodrama, tão usado nos anos 60, ressurge com outra leitura: a de que o naturalismo não se presta à discussão colocada na tela. Isso cria a tensão entre Ele e Ela. Eles se caçam, se agarram e se entregam um ao outro, no exato instante em que também se mutilam. A câmera de Trier os acompanha sem se intrometer, se mostrar, ela registra e registra e registra as reações deles em completa integração com o cenário rústico, descarnado; sendo os grandes espaços tão assustadores, quanto os da cabana onde Ele e Ela se digladiam.

Todas estas questões ilustram a perda, a dor, o vazio, e o desconhecimento que a sociedade tem da mulher, enquanto ser social, histórico. Não é uma tese que busca comprovar seu papel na sociedade moderna, tão só uma atitude do diretor perante a situação de gênero vivida pelas mulheres no Primeiro Mundo. Um tipo de mulher, classe média, cuja experiência é adversa à da africana, da asiática e da sul-americana de baixa renda. Os arquétipos, porém, são os mesmos. Talvez o filme choque alguns segmentos sociais, desacostumados ao cinema de Lars von Trier, dada à crueza de várias sequências. No entanto, é de choque em choque que se evolui – não se pode correr das ondas, quando estão à sua porta. Mergulhe. Vale a pena!


“Anticristo” (“Antichrist”). Terror psicológico. Dinamarca/Alemanha/ Polônia/ França/Itália. 2009. 109 minutos. Roteiro/Direção: Lars von Trier. Elenco: Charlotte Gainsbourg, Willem Dafoe.
(1)Telles, Sérgio, O Caos no “terrível reino das mães”, Caderno 2, Cultura, O Estado de São Paulo, domingo, 04 de outubro de 2009, pág. D12.






* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".
* Opiniões aqui expressas não refletem necessáriamente as opiniões do site.


Saramago chama Igreja de "reacionária" e acusa Bento XVI de "cinismo"

Roma, 14 out (EFE).- O escritor português e Nobel de Literatura (1998) José Saramago chamou o papa Bento XVI de "cínico" e disse que a "insolência reacionária" da Igreja precisa ser combatida com a "insolência da inteligência viva".


"Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo intelectual" desta pessoa, disse Saramago em um colóquio com o filósofo italiano Paolo Flores D'Arcais, que hoje lança "Il Fatto Quotidiano".
Saramago, por sua vez, encontra-se na capital italiana para divulgar o livro "O Caderno" e se reunir com amigos italianos, como a vencedora do Nobel de Medicina Rita Levi Montalcini (1986).
No colóquio com Flores D'Arcais, Saramago afirmou que sempre foi um ateu "tranquilo", mas que agora está mudando de ideia.
"As insolências reacionárias da Igreja Católica precisam ser combatidas com a insolência da inteligência viva, do bom senso, da palavra responsável. Não podemos permitir que a verdade seja ofendida todos os dias por supostos representantes de Deus na Terra, os quais, na verdade, só tem interesse no poder", afirmou.
Segundo Saramago, a Igreja não se importa com o destino das almas e sempre buscou o controle de seus corpos.
Perguntado se o pouco compromisso dos escritores e intelectuais poderia ser uma das causas da crise da democracia, o escritor disse que sim. Porém, disse que este não seria o único motivo, já que toda a sociedade encontra-se nesta condição, o que provoca uma crise de autoridade, da família, dos costumes, uma crise moral em geral.
Saramago destacou que o fascismo está crescendo na Europa e mostrou-se convencido de que, nos próximos anos, ele "atacará com força". Por isso, ressaltou, "temos que nos preparar para enfrentar o ódio e a sede de vingança que os fascistas estão alimentando".
A visita de Saramago a Roma acontece a um dia do lançamento do seu mais novo livro "Caim", no qual volta a tratar da religião. EFE


quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O ANTICOMUNISMO DA VEJA

Na mesma edição em que reafirmou a sua simpatia pelos golpistas hondurenhos e que criticou o “imperialismo megalonanico” da diplomacia brasileira por garantir refúgio ao presidente deposto Manuel Zelaya, a revista Veja desferiu um ataque primitivo contra vários partidos de esquerda do Brasil. A exemplo do fascista Roberto Micheletti, que disse em entrevista recente que o golpe em Honduras foi dado “porque Zelaya colocou comunistas no seu governo”, a famíglia Civita, dona deste panfleto rastaqüera, também parece que perde o sono com medo do “fantasma comunista”.

“O socialismo não morreu (para eles)”. Com este título jocoso, a revista retomou um dos bordões que inaugurou a onda neoliberal no final dos anos 1980. Na época, Francis Fukuyama, consultor do governo dos EUA, decretou o “fim da história”, argumentando que o socialismo estava morto e que não haveria mais alternativas à democracia burguesa e ao livre mercado. Mas esta bravata não durou muito tempo. O neoliberalismo aguçou as contradições do capitalismo, resultando na queda de Wall Street (o muro dos rentistas) e numa das piores crises deste sistema. Apesar disto, a Veja insiste na sua cegueira ideológica, talvez apavorada com o avanço das idéias marxistas.

Um patético tucaninho

O texto reflete este temor, inclusive nas suas ironias trogloditas. “Um fantasma ronda a América Latina: o fantasma do comunismo. Pelo menos é o que acreditam os militantes de um punhado de partidos nanicos de esquerda que ainda sobrevivem na política brasileira. Para esse pessoal, não há nada mais importante do que impedir que as idéias de Karl Marx sejam devoradas pelo fungo e pelo bolor. Os esquerdistas radicais formam um grupo tão curioso quanto inofensivo”, dispara. O próprio uso de duas páginas da revista, que renderiam uns R$ 420 mil em publicidade, evidencia que a famíglia Civita teme a crescente influência do marxismo na América Latina.

Para confundir seus leitores mais tacanhos, a matéria mistura partidos de diferentes concepções, como PCdoB, PSOL, PSTU, PCO e PCB. Para todos, ela abusa nos adjetivos hidrófobos e pinça frases fora do contexto. Afirma que o PSOL é “um balaio de gatos”, que o PCB é comandado por Ivan Pinheiro, “o terrível”; e que o PSTU prevê que “[a revolução] está chegando e nós estamos preparados”. Quanto ao PCdoB, ela tenta ridicularizar um sensato pensamento do seu presidente, Renato Rabelo. “Quando a União Soviética desabou, houve quem achasse que o socialismo tinha morrido. Que nada. Só alguém sem visão histórica pode pensar assim... O capitalismo levou 300 anos para superar o feudalismo. O marxismo tem pouco mais de 100 anos de existência”.

A “reporcagem” da Veja não apresenta qualquer informação jornalística. É pura ideologização direitista. O seu objetivo é desqualificar as esquerdas. “As idéias disparatadas desses partidecos dão certo colorido à democracia brasileira, nada mais. Ao sonharem com o pesadelo da restauração socialista, seus militantes conseguem apenas criar para si próprios uma imagem folclórica... O socialismo não voltará à vida. Está morto e enterrado”, decreta o repórter Fabio Portela, o mesmo que numa edição de agosto bajulou o governador tucano Aécio Neves. Este patético e folclórico “jornalista”, seguidor de Diogo Mainardi, deve realmente temer o avanço das idéias socialistas! 
 

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Manifesto 2009

Pelo direito de decidir das mulheres

Fatima Oliveira *

É odioso satanizar quem não deseja a maternidade. A liberdade reprodutiva das mulheres é violada de diferentes formas nos países que conservam a excrescência imoral e antidemocrática de criminalizar o aborto, onde também são gritantes as violações aos direitos sexuais - a antiga pretensão de impedir o direito ao prazer.

Um governo que aceita passivamente que um procedimento médico seguro, como o abortamento, seja proibido e criminalizado num país em que o aborto seguro é um privilégio de classe, como no Brasil, merece que nome?

A campanha 28 de Setembro - Dia pela Despenalização do Aborto na América Latina e Caribe lançou o Manifesto 2009, no qual consta que "milhões de mulheres em todo o mundo continuam a sofrer graves lesões e traumas e mais de 66 mil morrem a cada ano em abortos inseguros, e outras são criminalizadas ou presas".

O Manifesto 2009 é um alerta à sociedade e aos governos que destaca os danos a vidas plenas, decorrentes dos impedimentos ao livre arbítrio das mulheres quando necessitam interromper uma gravidez. O chamado à ação "Chega de violações aos nossos direitos" aponta a causa básica da maioria das gestações não planejadas: a irresponsabilidade masculina quanto à sua sexualidade e reprodução.

O documento avalia avanços mínimos na América Latina e no Caribe e centra na análise das ameaças e dos retrocessos - "consequências da pressão de grupos religiosos fundamentalistas e da complacência da maioria dos governos, que se curvam à Igreja Católica e às lideranças evangélicas, ignorando mandatos constitucionais e sua própria cidadania", sabotando assim a laicidade do Estado. Que nome merecem tais governos?

O manifesto exige políticas de atenção integral à saúde para reduzir a morbimortalidade materna; o fim das ameaças de religiosos contra servidores públicos; a erradicação da obediência religiosa de legisladores, juízes e políticos; o direito à informação e aos meios para evitar a gravidez indesejada; a difusão de tecnologias para o aborto seguro; a permanente formação dos recursos humanos dos serviços de saúde para o atendimento ao aborto; e a manutenção do sigilo profissional na atenção às complicações do aborto inseguro.

As feministas do mundo lutam pelo acesso universal aos serviços de saúde; atenção integral de qualidade; direito ao aborto legal e seguro; pela democracia, liberdade e justiça social e pelos direitos humanos das mulheres, incluindo o direito de decidir. Na luta "por uma sociedade que não se cale frente aos abusos contra a liberdade de escolha das mulheres", a que as mulheres conscientes aspiram?

A apenas respeito, pois sonham viver em sociedades nas quais a maternidade seja exclusivamente voluntária. Traduzindo: que todas as crianças sejam desejadas. É odioso santificar a maternidade imposta e satanizar quem não a deseja naquele momento. Eis porque não voto em antiaborcionistas nem para síndico de prédio!

No Brasil, que já vive os ares das eleições presidenciais de 2010, é um dever feminista não sucumbir aos discursos que visam nos engabelar. A defesa do direito ao aborto é suficientemente importante para constar da agenda eleitoral, não apenas pela magnitude de sua ocorrência ou porque ceifa a vida das mulheres com recorte de classe - morrem mais as pobres, as negras e as jovens. No essencial, é porque a garantia da liberdade reprodutiva é um dos esteios dos Estados democráticos. Candidatura contra o direito ao aborto não merece o voto das mulheres que têm a democracia como um valor.

* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.