segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O cartão vermelho

Eduardo Bomfim *

O senador Eduardo Suplicy proferiu, nessa terça-feira passada, um discurso tão desnorteado que provavelmente deve estar amargando um grande arrependimento ou o nível de sensatez política caiu abaixo de zero.

Uma semana após o julgamento e arquivamento das representações contra José Sarney, também com o voto do Partido dos Trabalhadores, o ilustre senador foi à tribuna e pediu a renúncia do presidente do Senado Federal.

Do ponto de vista político é uma atitude lamentável sob vários aspectos. Foi uma clara tentativa de estratégia publicitária destituída de qualquer pudor porque ele próprio não se rebelou, no devido momento, contra o desenlace da votação.

Não sendo um episódio rotineiro, mas um grave confronto entre as bancadas do governo e da oposição, Suplicy tinha que adotar uma postura de divergência aberta contra o presidente da República e mesmo contra o seu partido, ou aguentar as consequências, ficar calado e seguir a orientação do PT.

Não fez uma coisa, nem a outra. Tentou ficar bem com o governo, com o presidente Lula, com a grande mídia adversária e com a oposição ao mesmo tempo. Poderia ao menos alegar uma autocrítica das suas posições anteriores, o que não aconteceu.

Daí todos concluem, parlamentares dos vários matizes ideológicos, mídia em geral e a opinião pública, que ele cometeu o desatinado discurso de maneira fria e premeditada, utilizando-se do velho chavão popular: uma no cravo e outra na ferradura.

E a arma foi o bizarro e imenso cartão vermelho sacado contra o presidente Sarney e o senador oposicionista Heráclito Fortes, que por sua vez fez um aparte demolidor contra o senador por São Paulo.

Demolidor porque com tal manobra política todos os flancos de qualquer cidadão ficam literalmente desguarnecidos.

Quando se é governo, consciente dos seus propósitos, aufere-se o bônus da situação e prepara-se o lombo para as chicotadas da oposição. E é necessário estar bastante convencido, armado mesmo de argumentos para o combate feroz, igual ao que vem sendo travado nos dias atuais.

O que não exclui os princípios, o pensamento crítico e a independência que devem nortear o ativista político.

Mas o grande problema é que o senador Suplicy meteu-se em um conhecido dilema shakespeariano mal formulado: ser e não ser, como fazer? E para semelhante teorema político não há uma resposta convincente.

Marx, Darwin e a ampliação do saber

Carlos Pompe *

Gigantes do pensamento do século 19, Karl Marx e Charles Darwin ainda hoje influenciam o modo como analisamos o mundo. Ambos tinham compromissos de classe diferenciados. Marx abraçou a causa socialista e a luta do proletariado. Darwin, integrante da class

Marx leu A Origem das Espécies, de Charles Darwin, em 1860, um ano após a publicação. Em dezembro, escreveu a seu amigo Friedrich Engels que o livro continha ''a base de história natural para nossa visão'' – a teoria do materialismo dialético –, que tinha desfeito a teologia, mas que fora escrito à ''maneira inglesa crua de apresentação''. No ano seguinte, comentou com Ferdinand Lassalle, outro socialista alemão, que ''o livro de Darwin é muito importante e me serve de base, na ciência natural, para a luta de classes na história''. Meses depois, em nova carta a Engels, registra uma crítica dessa obra de Darwin, tendo como pressuposto a sociedade vitoriana: ''É notável como Darwin reconhece entre animais e plantas sua sociedade inglesa com sua divisão de trabalho, competição, abertura de novos mercados, 'invenções' e a 'luta pela existência' malthusiana. É o 'bellum omnium contra ommnes' (guerra de todos contra todos) de Hobbes, e lembra a Fenomenologia de Hegel onde a sociedade civil é descrita como um 'reino animal e espiritual', enquanto em Darwin o reino animal figura como sociedade civil''.
Em carta a Ludwig Kugelman, de 1866, Marx comenta que ''em Darwin o progresso é meramente acidental e A Origem das Espécies não rendeu muito ''em relação à história e à política'', embora pudesse ter ''uma tendência socialista inconsciente''. Considera, porém, que tem ''fraqueza de pensamento'' quem queira fazer a história humana depender da expressão darwiniana de ''luta pela sobrevivência''.
O pensamento econômico que Darwin esposava era o de Malthus (para quem o excesso populacional era a causa de todos os males da sociedade). No Anti-Dühring, Engels aborda a influência do malthusianismo no naturalista: ''Darwin não sonhou sequer em dizer que a origem da ideia da luta pela existência era a teoria de Malthus. O que ele diz é que a sua teoria da luta pela existência é a teoria de Malthus aplicada a todo mundo vegetal e animal. Por maior que fosse o deslize cometido por Darwin de aceitar, na sua ingenuidade, a teoria malthusiana, vê-se logo, a um primeiro exame, que, para se perceber a luta pela existência na natureza – que aparece na contradição entre a multidão inumerável de germes engendrados pela natureza, em sua prodigalidade, e o pequeno número desses germes que podem chegar à maturidade, contradição que, de fato, se resolve em grande parte numa luta, às vezes extremamente cruel, pela existência – não há necessidade das lunetas de Malthus. E, assim como a lei que rege o salário conservou o seu valor muito tempo depois de estarem caducos os argumentos malthusianos sobre os quais Ricardo'' (David Ricardo, 1772-1823, inglês, um dos fundadores da ciência econômica – CP) ''a baseava, a luta pela existência pode igualmente ter lugar na natureza sem nenhuma interpretação malthusiana. De resto, os organismos da natureza têm, também eles, as suas leis de população, que estão pouco estudadas, mas cuja descoberta será de importância capital para a teoria do desenvolvimento das espécies. E quem, senão Darwin, deu o impulso decisivo nessa direção?''
Em 1873, Marx enviou a Darwin, ''da parte de seu sincero admirador'', um exemplar de O Capital, com uma referência ao efeito ''memorável'' da Origem. Darwin leu apenas algumas páginas do livro, mas respondeu: ''Agradeço-lhe por ter-me honrado com a remessa de sua grande obra sobre o capital, e, de todo o coração, gostaria de ser mais digno de recebê-la, tendo uma compreensão melhor do tema profundo e importante da economia política. Conquanto nossos estudos tenham sido muito diferentes, creio que ambos desejamos sinceramente a ampliação do saber e, a longo prazo, é certo que isso contribuirá para a felicidade da humanidade''.
Ao contrário do que escreveram alguns biógrafos, inclusive Isaac Berlin, Marx nunca esteve para dedicar O Capital a Darwin. A confusão aconteceu porque Darwin enviou carta a Edward B. Aveling (que depois seria genro de Marx) recusando a dedicatória que este, Aveling, faria para ele no folheto Darwin para estudantes, de 1881.
A teoria da evolução apresentada por Darwin, como toda teoria científica viva, é complementada a aperfeiçoada a cada nova descoberta possibilitada pelos avanços técnicos e científicos. Segundo Martin Gardner, ''a moderna teoria da evolução abrange a genética e todas as outras descobertas importantes da ciência do século 20. Darwin foi um lamarckista que aceitou a hoje abandonada ideia da herança dos traços adquiridos.''
Avanços e recuos da compreensão do mundo e da luta de classes levaram a que, no século passado, o marxismo deixasse de ser referência para muitos cientistas. Isso se refletiu nos que continuaram na trilha aberta por Darwin de compreensão da natureza, sem a correspondência com a compreensão das vicissitudes da história social. Mesmo pensadores progressistas e envolvidos nos debates dos grandes temas do momento, como o darwinista Richard Dawkins, tratam a conduta moral do homem (sua religiosidade, inclusive) como um aspecto da conduta natural, biológica. Desconsideram as classes sociais e a luta e relações que elas travam entre si. As qualidades e defeitos morais seriam instintivos, encontrados tanto nos humanos como nos animais. Aliás, Darwin chegou a escrever que os animais experimentam quase todos os sentimentos dos homens, como amor, lealdade etc. Quando muito, esses cientistas, tratam do enfrentamento entre o racionalismo (ciência) e anti-racionalismo (religião, crenças, preconceitos etc.) na sociedade.
Esta concepção tem a ''fraqueza de pensamento'' apontada pelo pensador alemão. Para os materialistas dialéticos e históricos, o homem é criador e transformador da natureza, conhece e conquista a sua própria natureza e transforma a realidade que o cerca. Por isso, a indicação de Marx de apropriar-se das descobertas de Darwin ''para a nossa visão''. Daí a compreensão de conjunto apontada por Engels, no discurso diante do túmulo de Marx, em 1883: ''Assim como Darwin descobriu a lei da evolução na natureza humana, Marx descobriu a lei da evolução na história humana''.

Um mau conselho de Bento XVI

Carlos Pompe *

O Papa é infalível e representa Deus neste mundo. Muita gente acredita nisso. Assim como muitos acreditam que a Igreja Católica Apostólica Romana é a verdadeira correia de transmissão deste mundo com o mundo divino. Não poucos morrem e matam por essa e ou

Por isso, os posicionamentos do Papa e da Igreja não podem ser tratados como assuntos que dizem respeito apenas aos seus seguidores. E por isso são irresponsáveis as afirmações do Papa contra o uso da camisinha e a condenação pública, por um elemento do alto clero católico no Brasil (com o apoio da instituição), de profissionais de saúde que preferiram salvar uma criança estuprada pelo padastro e que tinha uma gravidez de alto risco.
Há cerca de 350 anos a ciência existe “como fator dominante na determinação das crenças dos homens instruídos”, afirmou Bertrand Russel. No entanto crendices milenares persistem nos dias de hoje, influenciando o comportamento humano. Muitas doenças deixam de ser tratadas a tempo porque seus portadores preferem, antes de ir ao médico, tratá-las com rezas ou outras feitiçarias. Desastres naturais ou causados pela imprudência de pessoas ou governos são atribuídos a castigos divinos ou a ações demoníacas. Fanáticos que se consideram instrumentos de seus deuses cometem atrocidades.
Quando a medicina científica surgiu, teve que combater inúmeras crenças enraizadas na população e também as religiões organizadas, em especial a Igreja Católica. O “pai da anatomia moderna” Andreas Vesalius (1514 —64) autor de De Humani Corporis Fabrica, um atlas de anatomia publicado em 1543, só não foi queimado vivo, condenado pela Inquisição católica por fazer dissecação de corpos que roubava do cemitério, porque o imperador Carlos V (que era seu paciente) impediu. Mesmo assim, depois que o imperador morreu, Vesalius foi obrigado a fazer uma peregrinação à Terra Santa, como penitência, e morreu a caminho, vítima de um naufrágio. Até recentemente, a Santa Madre Igreja também considerava que os doentes mentais eram possuídos por espíritos malignos, e por isso os tratavam com crueldade para, assim, “maltratar o Demônio”. Aliás, mesmo hoje existem padres que realizam exorcismo em pessoas que “atentam contra a moral e os bons costumes”.
Os séculos passaram a os chefes da Igreja continuaram apegados às suas concepções obscurantistas e continuam a perseguir a ciência e os que não rezam por sua cartilha – ou os que rezam por outra cartilha religiosa, como os judeus e os islâmicos. Uma linha de continuidade reacionária que possibilitou que um jovem nazista da primeira metade do século passado se tornasse, neste século, a principal autoridade dos católicos.
E foi essa pessoa, Joseph Ratzinger (agora chamado Bento XVI) que, na sua primeira visita ao continente africano, reafirmou que a distribuição de camisinhas e apoio financeiro dos países desenvolvidos não são a solução para a epidemia de Aids e só agravam a situação. Ninguém há de dizer que o papa é ignorante – afinal, estudo não lhe falta. Difícil dizer também que é mal informado ou que desconheça que a Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu relatório de 2007, contabilizava 33 milhões de infectados no mundo, sendo que na porção subsaariana da África estão 20 milhões de pessoas com o vírus. A cada ano 2,7 milhões de pessoas se contaminam com o HIV, sendo cerca de 400 mil crianças com menos de 15 anos.
Não. Não é falta de inteligência ou de estudo. Talvez seja obtusidade, mesmo. A mesma que leva o Vaticano e seus seguidores a vetarem a pesquisa com células tronco – assim como no passado impediam a dissecação para o estudo da anatomia. O saber científico é incompatível com as crendices.

Mulher livre numa sociedade livre

Carlos Pompe *

A sociedade considera a mulher inferior ao homem ? a sociedade, pois inclusive muitas mulheres assim pensam e poucos, talvez pouquíssimos, homens pensam o contrário. É verdade que a maioria dos homens é mais forte e tem estatura maior do que as mulheres.

Naturalmente, durante a gestação e a amamentação a fêmea de qualquer mamífero vive situações de desvantagens em relação ao macho, tanto no que diz respeito à busca de alimentação quanto na autodefesa num ambiente hostil. Num escrito de 1969, Isaac Asimov, abordando o que seria a sociedade em 10 mil antes de Cristo, aventa que o sexo e algum tipo de status provavelmente levavam a que o caçador primitivo cuidasse da mulher, em especial nos períodos de gravidez e, depois, da mãe e do recém-nascido. E aponta que, já nesse período, a mulher ficava em desvantagem, pois trocar sexo por alimento era “um acordo terrivelmente injusto, pois uma das partes pode rompê-lo impunemente e a outra, não”. Daí ele argumenta que, por razões fisiológicas, “a união original entre homens e mulheres era estritamente desigual, com o homem no papel do amo e a mulher no papel da escrava.”
Quando a humanidade chega à história escrita, essa divisão estava consolidada. Mire o exemplo das mulheres de Atenas: eram inferiorizadas e sem direitos, como mostra a canção do Chico Buarque e Augusto Boal. Na Bíblia, não faltam exemplos de destrato da mulher pelo homem, inclusive no Novo Testamento. Note-se os modos de Jesus com a mãe, aos 12 anos, em Lucas 2: 41-52, quando, após três dias desaparecido, os pais o encontram conversando com doutores no Templo. A mãe pergunta-lhe por que fez sumiu sem avisar, e o pivete rebate: “Por que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?” Os pais ficaram sem entender o que o garoto acabava de lhes dizer, registra o evangelista. Ou veja-se o desdém com que a trata, já na cruz: “Jesus viu a mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava. Então disse à mãe: ‘Mulher, eis aí o seu filho”. Depois disse ao discípulo: ‘Eis aí a sua mãe’. (João 19: 25-27). Falasse eu assim com minha mãe (inclusive o descaso de chamá-la “mulher” e não “mãe”), e levaria um safanão – “Foi pra isso que te criei, filho ingrato?”, diria dona Anita.
A submissão da mulher ao homem também está na carta de Paulo aos Efésios, considerada pela Igreja Católica como “a carta do mistério da Igreja”. Assim está escrito: “Mulheres, sejam submissas a seus maridos, como ao Senhor. De fato, o marido é a cabeça da sua esposa, assim como Cristo, salvador do Corpo, é a cabeça da Igreja.  E assim como a Igreja está submissa a Cristo, assim também as mulheres sejam submissas em tudo a seus maridos” (5: 22-24).
Coisas do passado? Nem tanto. É claro que as mulheres obtiveram avanços em coisas que, embora recentes, hoje, parecem triviais, como o direito de votar e se candidatar. E a violência contra elas, mesmo longe de ter acabado, tem sido inibida em vários países. No Brasil, temos a Lei Maria da Penha, que penaliza autores de brutalidades contra as mulheres, mas mesmo esta legislação ainda é contestada, inclusive por juízes. No início do passado mês de fevereiro, por apenas um voto de diferença, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que lesões corporais leves praticadas contra a mulher no âmbito familiar também constituem delito de ação penal pública incondicionada. Dois juízes não aceitaram essa interpretação, mas felizmente três votaram pela decisão.
As mulheres caminham para a igualdade? Os fatores físicos que, lá na pré-história, na visão de Asimov, teriam levado à supremacia masculina, continuam presentes. A maioria dos homens continua sendo mais forte e tendo estatura maior que as mulheres e estas mantêm a exclusividade da gestação. Porém, os avanços científicos permitiram que mesmo os trabalhos mais pesados já não exijam músculos, mas maquinarias, o que põe abaixo a primeira “vantagem” masculina. E apesar da reação conservadora e religiosa, já se desenha a possibilidade da gestação ocorrer fora do corpo da mulher. O sexo, em especial depois dos métodos anticonceptivos, foi desvinculado da procriação.
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento social já colocou para a humanidade um problema que ela pode resolver: relações sociais e econômicas que sejam de cooperação, e não de exploração. Porque a sociedade dividida em classes – exploradoras e exploradas – existe há milênios, mas não é eterna e estão dadas as condições objetivas, de produtividade, para ser substituída por um mundo novo, sem burgueses e proletários e sem, também, as proletárias dos proletários. Como antecipam Karl Marx e Friedrich Engels, no Manifesto do Partido Comunista, em substituição à sociedade dividida “com as suas classes e os seus antagonismos de classe, surgirá uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um será a condição do livre desenvolvimento de todos”. A luta emancipacionista de mulher integra e dá força à luta da humanidade por sua própria emancipação.

Batinas alvoroçadas com o bispo reprodutor

Carlos Pompe *

“Às vezes, quero crer, mas não consigo. É tudo uma total insensatez”, cantavam Vinícius de Moraes e Toquinho numa de suas obras de sucesso. A constatação vem à mente neste momento em que saem à luz mulheres que afirmam ter filhos com o presidente paraguai

Uma de suas ex-concubinas afirma que ele é pai de pelo menos seis bastardos. A direita latino-americana – brasileira inclusive – assanha-se, porque Lugo é identificado com a democracia e a esquerda, palavras que causam ojeriza às elites regionais. E, pelo lado dos cristãos, o assunto reacende o debate sobre o celibato a que os seguidores do Vaticano se comprometem ao serem ordenados.


Em Mateus, 8:14, Jesus cura a sogra de Pedro (considerado pelos católicos seu primeiro papa) de uma febre – Pedro era, portanto, casado. Estudiosos afirmam que no início do cristianismo, o celibato era uma opção pessoal, geralmente adotada por eremitas e monges.


Quando, em 313 d.C, o Imperador Constantino tornou o cristianismo fé oficial, os dirigentes cristãos passaram a ser pagos pelos seus serviços eclesiásticos e a gozar privilégios especiais na sociedade romana. Os bispos passaram a  ser autoridade civil e jurídica. Os chefes da Igreja se tornaram hierarquia governante. Escreve o ex-padre John Shuster: “A igreja adotou a prática romana de permitir que somente os homens mantivessem a autoridade institucional. ... O celibato foi criado”.
Segundo este autor, os romanos se abstinham “das relações conjugais, para conservar a energia, antes de uma batalha ou de um evento esportivo”, o que levou a que fosse ordenado aos padres “absterem-se de intimidade com suas esposas, na véspera da celebração das missas. ... o celibato foi estabelecido como o mais elevado estado de santidade e consequente supressão do sacerdócio casado”.
Em 366, o papa Damásio proibiu os padres de ter relações sexuais com suas (deles) esposas. Em 385, são Sirício abandonou esposa e os filhos para ser papa e proibiu os padres de continuarem casados. Ele enviou carta a Himério de Tarragona (10 de fevereiro de 385) considerando ser um “crime” gerar filho muito tempo depois da ordenação, mesmo “da própria esposa”; “estejam todos os padres e levitas obrigados, por uma lei indissolúvel, a consagrar-se à castidade de coração e de corpo desde o dia da ordenação”, insistiu, pois considerava os atos sexuais “apetites obscenos”. Dois anos após sua morte (que ocorreu em 399), outro santo católico, Agostinho, escreveu: “Nada é tão poderoso para neutralizar o espírito de um homem como a carícia de uma mulher”.
Como em outros mistérios, foram interesses bastante terrenos que levaram a Igreja a investir contra o casamento dos integrantes da sua hierarquia, do padre ao papa e às mulheres que aderiam ou lhe eram entregues na condição de madres e freiras. No concílio de Trento, ocorrido entre 1545-63, o celibato foi adotado como regra. Segundo alguns estudiosos, para evitar que a Igreja perdesse posses em eventuais disputas de herança. A favor dessa tese, está o fato de que o papa Urbano II (ele legislou de 1088 a 1099) ordenou a prisão dos padres casados que ignorassem a lei do celibato e determinou a venda de suas esposas e filhos como escravos, com o dinheiro destinado à Igreja, para suas divinas obras. Daí a prática de padres que colocam suas posses em nome de familiares próximos (pais, irmãos, tios, primos), como forma de evitar que a Igreja açambarque tudo.


A fertilidade do ex-bispo e atual presidente paraguaio levou a que a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Assembleia Geral em Indaiatuba, interior paulista, desde o dia 20, resolveu voltar a discutir (e, tudo indica, reafirmar) o celibato. O presidente da entidade, dom Geraldo Lyrio Rocha, inimigo da educação sexual nas escolas e do uso de camisinha (esta sua orientação parece ser seguida, ao menos às vezes, pelo paraguaio...) lamentou os episódios envolvendo seu ex-parceiro de batina.


Os que têm fé que continuem insistindo na ignorância sexual e descartando o uso da camisinha. Mas, convenhamos, Vinícius e Toquinho têm razão: “É tudo uma total insensatez”..

 Woodstock e o triunfo do indivíduo

Carlos Pompe *

Foi há 40 anos. De 15 a 17 de agosto de 1969 ocorreu o Festival de Woodstock. Um encontro de rock and roll movido a muitas drogas, que se transformou num ato em defesa do amor livre, da paz e contra o alistamento militar obrigatório que obrigava jovens estadunidenses a lutarem no Vietnã.

Numa fazenda despreparada para a grandiosidade que o encontro alcançou, 31 atrações musicais foram apresentadas, incluindo o guitarrista Jimi Hendrix e as cantoras Janis Joplin e Joan Baez – esta, grávida de seis meses e com o pai da criança preso, por ter se recusado a ir matar vietnamitas na Ásia.

Woodstock foi um projeto comercial que fugiu totalmente do controle de seus idealizadores, Michael Lang, John P. Roberts, Joel Rosenman e Artie Kornfeld. Planejavam um espetáculo ao ar livre, sem nenhum outro intuito que o retorno financeiro, e que atrairia umas 200 mil pessoas. 

Foram surpreendidos por mais de 500 mil jovens que derrubaram as cercas da fazenda,tornaram o show gratuito e forçaram a que o governo improvisasse uma enorme infraestrutura para garantir-lhes alimentação e atendimento médico e sanitário. Prudentemente, as autoridades liberaram as drogas. Surrealmente, a comunidade conservadora de proprietários agrícolas woodstockiana ficou feliz em constatar que a garotada era boa gente e – pasmada – que não foram registrados furtos ou violências durante os “três dias de paz e amor”, como ficaram conhecidos quando lançados os discos e o filme (hoje CDs e DVD) que documentam o episódio.

As únicas fatalidades foram uma morte devido a uma provável overdose de heroína e outra decorrente de um atropelamento por trator, além de quatro abortos. Por outro lado, dois nascimentos ocorreram, um dentro de um carro no congestionamento e outro em um helicóptero.

Canções e discursos falaram contra a guerra do Vietnã. Artistas ainda desconhecidos do grande público mundial conquistaram renome e até hoje estão presentes no cancioneiro popular, como Carlos Santana e Joe Cocker – que com sua interpretação deu novo sentido e roupagem completamente nova para With a Little Help from My Friends (Com uma pequena ajuda de meus amigos), de Lennon e McCartney. O beatle George Harrison estava lá, mas não se apresentou.

A interpretação de Jimi Hendrix da Star Spangled Banner, o hino nacional norte-americano, simulando tiros de metralhadora e bombas caindo, tornou-se marco do rock instrumental. Joplin apresentou sua versão imortal de Summertime. No ano seguinte, ambos com 27 anos, morreriam (ele, em setembro; ela, em outubro) em virtude do abuso de drogas. Ou, como conta o historiador Eric Hobsbawn, “caíram vítimas de um estilo de vida fadado à morte precoce”.

Os três dias de música, drogas e defesa da paz se tornaram símbolo da época. Organizadores e público não tinham objetivos políticos claros e definidos – alguns artistas, sim; a maioria dos que se apresentaram, não. Mas o sentimento pacifista se fez presente e se fez marca do evento. Não se tratava de uma contestação ao modo de vida americano, mas um desejo de que esse modo de vida fosse possível sem guerras de conquista, sem agressão aos outros povos, sem corrida armamentista. A liberdade e liberalidade sexual assumiam a forma de protesto contra o Estado, a família, o convencionalismo. “Quando penso em revolução, quero fazer amor” era uma das palavras de ordem daqueles jovens. Como observou Hobsbawn, o anarquismo de Bakunin ou Kropotkin correspondiam muito mais de perto às idéias da maioria daqueles rebeldes, com sua pregação espontânea, não organizada, antiautoritária e libertária. Não havia um projeto solidário ou social, mas o triunfo do indivíduo – de milhões de indivíduos – sobre a sociedade.

Muitos daqueles jovens embarcaram e fizeram o movimento hippie. Como afirmou outro beatle, Ringo Starr, já no final do século passado, “alguns hippies ainda estão por aí, mas aquilo acabou”.

CARISMA E PODER


Atentado religioso contra o Estado brasileiro

Carlos Pompe *

Um acordo entre o governo brasileiro e a Santa Sé, estabelecendo um Tratado Jurídico da Igreja Católica com o país, foi aprovado na noite de 26 de agosto pela Câmara dos Deputados e encaminhado para o Senado Federal. Entidades e pessoas de bom senso vêm se manifestando contra mais esse atentado contra a inteligência.

Lula e Papa Bento 16

Unidos em Cristo, contra a laicidade

Na Câmara alguns parlamentares conseguiram deixar o projeto menos indigesto, mas nem por isso a papa é tragável. O documento que o governo quer tornar lei foi assinado pelo presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em novembro de 2008.

Mais uma vez a Igreja Católica se vale de seus adeptos no poder para obter privilégios e atropelar o conjunto da sociedade. No caso do presente acordo, como os evangélicos também querem usar dinheiro e espaços do poder público para seus fins, conseguiram que a Câmara chancelasse também um projeto de lei de julho de 2009 que praticamente copia o que diz o acordo com o Vaticano, só que estendendo os benefícios a todas as religiões.

Mesmo aprovado, o projeto ainda não está com sua redação final pronta, devido aos trâmites burocráticos. Nessa guerra religiosa ninguém é santo. O deputado federal Miguel Martini (PHS-MG), católico, quis tripudiar: “Hoje, qual o critério para se abrir uma igreja evangélica? Nenhum.” Assim como para abrir um templo católico, judeu, islâmico ou do candomblé, acrescento eu. Mas se os ateus formos abrir uma casa para a difusão da ciência, teremos que pagar impostos e não poderemos invadir as escolas públicas para nos contrapor à lavagem cerebral de nossas crianças...

Um dos pontos do texto diz que "o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental". Quem frequenta escolas que ministram pregação religiosa (elas usam o eufemismo “aula de religião”) sabe o quanto é constrangedor um aluno sair da sala porque não quer assisti-la ou porque seus pais rezam por outra cartilha. Uma agressão ao estudante. A professora titular da Faculdade de Educação da USP, Roseli Fischmann, lembra um outro problema: " muitas pessoas dizem que quem luta pelo Estado laico é contra a religião, contra os católicos [e isso criaria uma antipatia entre os grupos]".

Em parecer de junho deste ano, a Coordenadoria de Ensino Fundamental do Ministério da Educação afirmou que o acordo fere a legislação brasileira e poderá gerar discriminação dentro da escola pública. No caso da particular, o documento ressalta que as instituições de ensino cristãs têm autonomia para deliberar sobre o conteúdo. O Itamaraty diz que o MEC havia dado parecer favorável ao artigo em dezembro de 2007, mas o ministério reafirma que já havia manifestado sua discordância anteriormente. A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) divulgou uma nota pública informando que a ratificação do texto "implicará em grave retrocesso ao exercício das liberdades e à efetividade da pluralidade enquanto princípio fundamental do Estado".

Além da pregação religiosa, o projeto ainda trata do casamento e da assistência espiritual que a Igreja Católica pode dar a presidiários (outro público preferencial dos evangélicos) e em hospitais.

Segundo o presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), Daniel Sottomaior, o texto traz uma "linguagem confusa proposital", e cita o artigo sobre o casamento, que abriria espaço para que a Justiça brasileira passe a ser obrigada a aceitar sentenças de anulação matrimonial do Vaticano.

Mas além de se locupletar com a estrutura estatal, o papa e sua cúpula querem mais! Pelo acordo, querem impedir também legalmente que padres, freiras ou outras categorias de religiosos recorram à Justiça do Trabalho reivindicando direitos por serviços prestados à Igreja. Querem vetar, assim, o acesso de seus pastores e ovelhas aos direitos da legislação trabalhista brasileira. Há casos de padres que, ao deixar o sacerdócio, buscam indenização. O mesmo ocorre com fiéis voluntários.

Dificilmente essa gororoba indigesta deixará de ser aprovada no Congresso e de ser sancionada pelo presidente confessadamente católico.