quarta-feira, 10 de abril de 2013

A FILOSOFIA SOFRE DE 'BULLYING' METODOLÓGICO NO ENSINO MÉDIO

"Filosofia não pode ser fogo morto! … precisa ser chama que queima terna e eternamente. Tem que ser luz que clareia, força que move, visão que desvela, e caminho pro mundo."


Sempre que encontro jovens e adolescentes em período escolar, tenho por necessária curiosidade fazer duas perguntas clássicas que habitam pulsante a minha mente, incitam meu coração e gritam dentro de mim. Embora somente a resposta da primeira possa me oportunizar fazer a segunda é este pertinente exercício que me leva a pensar qual a razão de tamanha rejeição a disciplina de filosofia por grande parte dos estudantes do ensino médio no Brasil. 

Fato, há poucos dias tive a 'grata' e 'traumática' oportunidade de fazer as duas perguntas novamente! Grata porque é necessário medir o termômetro motivacional em relação a uma “disciplina escolar”, e Traumática porque a resposta quase sempre é a mesma em qualquer lugar do Brasil onde as perguntas possam ser feitas. Voltando ao encontro com os estudantes, lancei pragmaticamente a primeira: VOCÊS TEM AULA DE FILOSOFIA? Resposta em coro: "UIIIIIII TEMOS!"  

A resposta me municiou pra fazer a essencial e traumática segunda pergunta: VOCÊS GOSTAM DE FILOSOFIA? A resposta como em um depreciativo jogral foi imediatamente raivosa: "ODIAMOSSSSSSS!" 

Para amenizar o momento e continuar alimentando minha conversa me faço de vitima. Entro na história de corpo e alma compartilhando com eles desta experiência apimentando ainda mais a situação e vou dizendo: “A filosofia é chata né!” E sigo alimentando o trauma: "Eu também nunca gostei de filosofia, meu professor era chato, mal-humorado, as aulas um saco, só recortes de jornal, conceitos primitivos, folhas e folhas de caderno riscadas a caneta 'Bic' com textos sem fim. Resumos de coisas sem nexo na aula e em casa, leitura de intermináveis páginas de livros como 'Filosofando', 'Novo Olhar', 'Convite a Filosofia' um sarapatel de masturbação mental.” 

Nossa! ... me tornei mais um do grupo, fazendo-os se sentirem até mais fortalecidos. Ali naquele momento deixavam de serem vistos como os rebeldes, desgarrados, perturbadores de aula e da ordem social na escola. Mas inquietos com minha exposição de descontentamento com a disciplina ficaram curiosos e me devolveram uma desconfiada pergunta: “Como era o nome de seu professor? Porque o nosso faz exatamente isso também!” 

O que dizer a estes alunos? Que eles estão errados? Que filosofia é algo bom? - Não! Eu não poderia fazer isso, eu queria ser do grupo deles e pronto, como uma volta a etapa esquecida de minha tenra idade dos anos escolares! Porque a grande verdade é que a atitude de refutar a simples ideia de filosofia como disciplina escolar não é culpa deles. É a nossa imensa parcela de culpa que esta imersa nesta reprovação toda em relação a disciplina. Estamos espalhados pelo Brasil como centenas de milhares de cabeças pensantes, “professores/filósofos” também a banalizar esta disciplina, com pouca didática, pouco conhecimento, pouca motivação, pouca preparação e de mal com a própria opção de vida. O que cobrar dos alunos? 

Os estudantes de hoje precisam mais do que conceitos prontos, eles precisam de provocação! E provocação não se atinge pelo castigo de imprimir a incumbência do escriba a copiar páginas intermináveis de livros. Principalmente se a causa do conflito são aulas pouco produtivas, mau preparadas que levam a dispersão e consequentemente a perda do controle motivacional do aluno, instaurando conflito relacional entre eles e o professor. 

A disciplina de filosofia tem que ser propositiva, encaixando conceitos a realidade, onde o estudante possa ser provocado pra edificar a discussão conceitual e propositiva da aula. Embora não exista modelo pronto de metologia de ensino, podemos seguir orientações como do professor Perissé, do qual é preciso provocar o aluno pensar filosoficamente ao analisar realidades como violência no mundo atual superando respostas prontas como: “pena de morte!”, “mais investimentos!”, “não tem mais jeito”, “construir novos presídios”... Filosofia tem antipatia a soluções milagrosas, frases de efeito, reducionismos, e pouco exercício da razão. 

Precisamos mostrar ao estudante que o filósofo é como a “mosca” que entra na garrafa e de lá nunca mais sai, porque a garrafa é o universo do conhecimento; ... precisamos com coragem desafiadora dizer a ele, que embora filosofia “não sirva para nada” neste mundo, ninguém faz nada sem ela também. Precisamos ao modo Merleau Ponty dizer a ele que filosofia é um modo de reaprender a ver o mundo; é exercício livre, leve e solto da razão aqui e agora, diferente da ciência como 'arcabouço' de processo cumulativo. Dizer sem titubear que ciência vai pro museu, mas filosofia não, porque ela é sempre atual. 

Como se demostra tudo isso, se não pelo empenho apaixonado que deve exaurir de cada palavra de convicção emitida pelo filósofo professor. Com aulas bem preparadas metodologicamente, sem depreciação ou desleixo do comodismo dos textos prontos e conceitos desconexo. Fora disso é profundo desafio e batalha desproporcional no caminho de fomentar no aluno motivação externa enquanto classe/escola e automotivação interna como experiência pessoal. Despertar a convicção permanente como exercício da rebeldia curiosa e aguçada para acumular mais e mais sabedoria. Descrevo isso lembrando que neste momento tenho mais de 14 ex alunos em mestrados ou doutorados de grandes universidades do Brasil a, grande maioria na área da filosofia. Embora isso não me coloque na condição de personalista motivador, é o suficiente para me convencer que é possível os alunos se sentirem atraídos pela disciplina a ponto de fazer tão longo e sublime caminho universitário. 

Sei bem que por um lado, muitas vezes se pode justificar nossa desmotivação pela baixa valorização por parte dos governos, porém, por outro lado os alunos não podem ser as vítimas de meu descarrego de frustração, baixa estima e luta contra o sistema. Do contrário vira um campo de batalha onde o aparelho do estado mais ganha com as criticas dos alunos e pais contra a escola e a disciplina do professor do que contra o sistema que sucateia o ambiente escolar, sua estrutura física. Consequentemente leva a degradação do singelo e sagrado espírito humano da automotivação formativa, vocação nata, presente em seus professores. 

Enquanto este não for nosso propósito estaremos fadados a concordar com os jovens estudantes, de que Filosofia é uma matéria chata, repugnante, desnecessária e ridícula. Escrevo isso, imaginando o adágio que estudar tem que 'doer na carne', é romper com estruturas que nos aprisionam. Sim eu acredito nisso! ... estudar tem que doer na carne, mas ai vem novos questionamentos: Como podemos suportar esta espécie de exercício dolorido sem a coragem motivadora de enfrentar? Como romper as ditas estruturas que nos aprisionam sem a luz auxiliadora dos mestres que precisariam irradiar o conhecimento como lamparinas que mesmo enfraquecidas lutam até o fim para manter viva suas chamas? 

Filosofia não pode ser fogo morto! … precisa ser chama que queima terna e eternamente. Tem que ser luz que clareia, força que move, visão que desvela, e caminho pro mundo. Inevitavelmente ela pode ser interpretada como uma visita ao mundo do nada, mas que na essência mesmo que na sua forma abstrata em relação a vida e o mundo de cada individuo acrescenta tudo. Mesmo quando o aluno em sua 'miopia rebelde' insista em querer não enxergar. Filosofia é flecha que abre caminho, exercício nato e prodigioso da vida!  


Neuri Adilio Alves
Professor/Pesquisador e Palestrante

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O QUE QUER A CORÉIA DO NORTE?

"Nem sempre imagens têm mais valor do que mil palavras. No caso em questão, as imagens e o retorcimento da retórica explanada pelo governo da Coreia do Norte são parte de um grande jogo de ridicularização de um regime cujo único objetivo é a autodefesa. Também existe uma ponta de luta pela sobrevivência. Sobrevivência que significa a própria sobrevida de uma nação milenar. E para mim isso basta."

Por Elias Jabbour* , 08 de abril de 2013.


Perguntemos a qualquer letrado, ou especialista. Você sabia que enquanto a Europa se ensanguentava em guerras religiosas, a Coreia já era uma nação com todos os traços que poderiam a classificar como um Estado Nacional precoce e anterior ao nascimento de Cristo? 

Você sabia que houve uma guerra entre os lados norte e sul da península coreana entre os anos de 1950 e 1953? Você sabia que foi a primeira vez, desde a independência dos EUA (1776) que os norteamericanos assinaram um armistício, ou seja, foram derrotados pela primeira vez em quase 200 anos? Você sabia que desde 1776 os EUA nunca ficaram longe de uma guerra, fora dos seus domínios, por mais de dez anos? Você sabia que na Guerra da Coreia caiu, sobre o lado norte da península, o correspondente a dez bombas nucleares testadas em Hiroshima e Nagasaki? Você sabia que, desde 2001, estão apontadas, à capital da Coreia do Norte (Pionguiangue), cerca de 60 mísseis carregados de ogivas nucleares? 

Mais perguntas: Você tem notícia acerca da invasão de um algum país por parte da Coreia do Norte? Você sabia que o país mais bloqueado, cercado e difamado no mundo é a Coreia do Norte? Será que essa difamação tem alguma relação com a derrota dos EUA na já referida guerra? Será que querem condenar a Coreia do Norte ao retorno à Idade da Pedra? Será que a Coreia do Norte há 60 anos não é o espinho na garganta dos EUA? Diante dos fatos e da história, você acha que os EUA fariam com a Coreia do Norte o mesmo que fizeram com o Iraque, o Afeganistão e outros? A Coreia do Norte tem ou não o direito de se defender? Você tem alguma dúvida sobre o destino de Kim Jong Un: seria recebido com festa num exílio na Europa ou teria o mesmo destino, com os mesmos requintes de crueldade, reservado a Muamar Kadafi? 

Responder estas questões não é uma tarefa complicada. Um mínimo de honestidade já bastaria para saber o que está em jogo nesta guerra psicológica em curso na península coreana. De imediato sugiro qualquer julgamento moral sobre a natureza do regime nortecoreano, se é socialista ou não, se é democrático ou ditatorial, bonito ou feio, rude ou sofisticado. Tem gosto para tudo. Também não seria muito legal tomar a máxima do chanceler brasileiro (Antonio Patriota), segundo quem esperava uma “atitude mais ocidentalizada do líder nortecoreano”. 

Talvez Antonio Patriota esteja levando a sério demais o conselho de Huntington sobre um Choque de Civilizações, quando na verdade tanto Huntington quanto Patriota não passam de vítimas de um verdadeiro “choque de ignorância”. Meu parêntese continua para externar algo mais de fundo. É chocante imaginar que o chefe de nossa chancelaria nunca tenha lido Edward Said (“Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente”), nem tampouco Barrington Moore Jr. (“As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia – Senhores e Camponeses na Construção do Mundo Moderno”). De forma explicita em ambos os livros ficam claras as evidências, na Ásia, de práticas democráticas ao nível da aldeia que remontam ao menos 3.000 anos. 

O que quer de fato a Coreia do Norte, partindo de um julgamento mais pautado pela história? É evidente que o regime busca sobrevida e para isso nega a lógica da rendição incondicional tão cara a outras experiências, entre elas as da URSS, Leste Europeu e recentemente da Líbia. 

Uma nação que historicamente teve seu território sob a cobiça estrangeira, cercada de grandes potências por todos os lados, passando por uma sanguinária ocupação japonesa e que sabe do que são capazes os EUA, não pode se dar ao luxo de esperar o bonde da história passar. O bonde da história derrotou as experiências socialistas da URSS e Europa, levando quase a nocaute por asfixia o governo da Coreia do Norte na década de 1990. Os últimos 25 anos foram marcados por privações de todo tipo, levando inclusive a fome para o outro lado do rio Yalu. O bloqueio, a fome imposta de fora para dentro e as inúmeras ameaças militares e provocações (Coreia do Norte como parte do “Eixo do Mal”, segundo Bush) só fez restar ao governo nortecoreano a opção de se “armar até os dentes” diante do que ocorria em Belgrado sob as hostes das chamadas “intervenções humanitárias”. 

Poucos regimes no mundo tem uma noção da política como uma ciência que leva em conta não somente a correlação de forças, mas também o chamado tempo e espaço. Asiáticos e milenares que são os coreanos dão mostras de ter ido além de Maquiavel, aproximando-se de Lênin acrescido de alguma sabedoria confuciana e espírito de rebeldia herdado pelos ensinamentos de Laotsé. Somente gente preparada poderia manter em pé um país cercado, humilhado e ameaçado desde seu nascedouro e com um cenário recrudescido nas últimas duas décadas. 

O conceito de ditadura não serve de explicação. Mais pobre ainda é levar à sério certas conversas do tipo “governo que se mantém às custas da fome do povo e do não cumprimento dos direitos humanos”, quando na verdade a soberania nacional está acima de qualquer direito humano. Ou se acredita ser possível algum direito humano sob ameaça ou intervenção estrangeira? O único direito humano universal é o direito à vida. E o direito a vida naquela parte do planeta se confunde e se entrelaça com o direito de ser nação soberana. É simples, sem ser simplista: a Coreia do Norte não está de brincadeira, pois sabem com quem estão lidando e do que são capazes os EUA. 

Os nortecoreanos querem ter o direito de ser o que eles decidiram ser desde a explosão das primeiras revoltas camponesas contra a ocupação japonesa, ainda na década de 1910 do século passado. Ao invés de buscarmos dar lições de democracia, civilidade e de governo para uma nação milenar, seria mais interessante entender como um país exposto àquelas condições pode alcançar um nível de desenvolvimento tecnológico capaz de projetar e lançar satélites artificiais, mísseis intercontinentais e mesmo bombas nucleares, algo que nem nossos amigos do Irã e seus imensos recursos petrolíferos conseguiram até hoje. 

Acho que se decifrarmos a formação social que forjou um povo capaz de expulsar Gengis Khan de seus domínios, no auge do poderio militar do Império Mongol, chegaremos a explicações mais plausíveis e próximas da realidade. 

Elias Jabbour é doutor em Geografia Humana pela FFLCH-USP. Autor de “China Hoje: Projeto Nacional, Desenvolvimento e Socialismo de Mercado” (Anita Garibaldi/ EDUEPB, 2006). 

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