segunda-feira, 15 de abril de 2013

A MORTE DO FILÓSOFO E O SILÊNCIO DA VERDADE

“O ASSASSINATO de Marcelino Chiarello foi a tentativa de incinerar as verdades por ele desnudadas. Foi um insulto a justiça das causas sociais, … foi o apagão que faltava para nos mostrar os sujos meandros da legalista e putrefata justiça em nossa cidade, nosso estado em nosso pais! Foi a gota de sangue que manchou a justiça, pela covardia de quem executou, a conivência de quem investigou e frieza de quem banalizou. Marcelino foi morto duas vezes: como HOMEM e CIDADÃO!” 

A vida poderia até ser metaforizada como um jogo, se não fosse este lado prosaico que tece nossas relações sociais. Esta aventura consciente que nos faz escolher entre o que nos emancipa como humanos e o que nos coloca no roll gélido animalesco das disputas de espaços e interesses. Se não fosse este fruto imperativo democrático que nos provoca ao universo das escolhas. Tudo isso que nos empurra, nos carrega, nos conduz, nos orienta, nos divide, separa, nos 'dialetiza'. Porque esta também é uma real bipolarização de nossa aventura existencial, e nela o cálice da Justiça pode ser servido como sangue na nova e eterna aliança, sinal da justiça (ao modo cristão) ou simplesmente como imolação pública do direito a vida como produto de um legalismo fragilizado, descomprometido. 

O que assusta é ver a incineração de nosso 'Contrato Existencial', este direito antropológico primevo do Ser Humano decidir, direito manifesto a liberdade de se expressar e questionar a realidade que nos cerca. E estou eu aqui a discorrer sobre isso! Porque um dos mais pertinentes exemplos disso é a morte do cidadão, Pai de Família, Professor, Vereador e Filósofo Marcelino Chiarello à mais de 12 meses. 

O que justifica nosso descréditos caros cidadãos, é o juízo de des/valorização das instâncias judiciais e criminais. Porque no assassinato de Marcelino todos nós fomos assassinados como cidadãos, a partir do momento em que as instituições decretaram silêncio e banalização do caso. Sim eu disse banalização desta covarde e trágica realidade. E o filósofo assassinado covardemente pelas mãos humanas, também se tornou uma vítima de Cronos (Κρόνος) 'Deus do tempo' a que tanto estudou e provou do poder de fugacidade. Porque a inércia e um certo desleixo na investigação do caso (foi como uma prisão do tempo) um estratégico modo pra acomodar o sentimento de revolta do povo, a sede de justiça que a cidade de Chapecó externava. 

Tanto do ponto de vista sociológico como Filosófico, temos um caso de esmagamento de todos os imperativos da razão e dos direitos, em troca da delegação de nossos poderes de julgamento/decisão as instâncias que poderiam se caracterizar como imparciais soberanas do jus/legalismo na esfera social. Para muitos eu cantei a pedra, ressaltei que todos nós já fomos, seremos, como somos neste momento vítimas destas contradições veladas, dos que de forma pragmática buscaram soprar para longe a verdade. Enquanto se ventila no silêncio como encomenda premeditada a covardia desleal e conivente cometida contra o cidadão. 

Sei bem o sentimento que me afeta neste momento enquanto escrevo, porque é o sentimento da ausência, embora por várias oportunidades nossas discussões racionais, epistêmicas brotavam de sua inteligência singular. Marcelino tinha uma memória privilegiada, uma língua afiada e um raciocínio lógico que funcionava como uma 'Navalha de Occam'. Era um homem de coração, mente, e práxis ideológica marxista, mas com certeza poderia ser visto como um doutor na arte da 'Maiêutica'. E isso perturbava sim, muitos setores da burguesia empresarial e política na cidade de Chapecó. 

Eu o conheci muito bem, com ele convivi, dialoguei, me senti influenciado nos meandros da filosofia. Quando no inicio do ano de 1996 enquanto eu me preparava para mudar pra Curitiba e Cursar filosofia. Com os mesmos professores que foram dele também enquanto seminarista na Pia Sociedade dos Missionários de São Carlos (Carlistas), tanto ele como seu irmão, o nobre e conceituado Professor de História e Filosofia Claudir Chiarello. 

Marcelino costumava me dizer que eu tinha que me conduzir pro seminário de formação sacerdotal como indivíduo pra emancipação social na luta de classes e não apenas como candidato possível ao sacerdócio. Lembro-me com hoje quando me entregou um livro novinho da Edição Filosofando (Edição gratuita para professores) que aliás ainda esta comigo e bem preservado e me disse: “vai e estuda o marxismo incansavelmente, porque este será o caminho da compreensão e libertação das forças produtivas e os filósofos precisam contribuir neste desafio!” 

Estudar filosofia eu cumpri, mas sair do curso marxista mergulhado no praxismo eu não consegui, porque a filosofia me conduziu para o campo do Existencialismo. Porém, o legado nobre, fiel, inteligentíssimo e respeitável do amigo carrego comigo. Tanto nas minhas reminiscências pessoais como nas lembranças de nossos professores em Curitiba que até hoje falam do aluno inquieto, curioso e questionador como ele ficou conhecido. Principalmente no antigo IVF-Instituto Vicentino de Filosofia atual FAVI, por professores como João Batista Penna (Antropologia), Aluísio (Filosofia Politica I, II, III), Cleverson (Lógica, Metafisica e Filosofia da Ciência), Bortolo Vale (Introdução e História da Filosofia) e o orientador Pedagógico da época padre Carlos. 

Voltei de Curitiba formado, e como recepção tive a visita pessoal de Marcelino em minha casa me convocando para fazer uso do instrumento filosófico na articulação de sua agenda de campanha a vereador em 2004 quando então foi eleito pela primeira vez. Talvez seja isso que hoje me inquieta, me deixa arrepiado por imaginar que ali naquele dado momento, ao bel prazer de seu sonho de uma luta de classe por dentro da politica eu contribui para ele ter entrado nesta maldita trincheira de onde sua vida seria ceifada. Mas este parecia ser um de seus sonhos, e talvez seja este o antídoto que tenta me consolar pela perda! Embora eu não tenha cedido aos seus insistentes convites para engrossar a fileira de ex seminarista/petista como ele, porque minha opção sempre foi o comunismo ideológico partidário de João Amazonas, eu sei o quanto partilhamos das idéias de um mundo melhor. 

Embora eu tenha me mantido afastado do fórum de entidades que incessantemente cobraram por justiça, eu observei a mitigada e covarde forma como as instituições legalistas conduziram o processo de investigação sobre assassinato do Chiarello. Sim assassinato, porque Marcelino não era um homem de características suicidas, mas um homem de bem com a vida, um cidadão que desafiava o desanimo, era uma mescla de 'Razão Lúdica' (sempre a brincar com todo mundo) e 'Razão Sábia' (inteligente e estrategista como poucos) ao seu modo, o modo da vida. 

Porque escrevo isso meus caros! Porque desde o inicio eu imaginava este resultado absurdo, covarde e desproporcional o qual nós ainda precisaríamos passar. Há mais de um ano ele foi brutalmente violentado fisicamente e morto por mãos covarde e sujas de sangue dentro de sua própria casa. Hoje com os resultados pra serem finalizados novamente Marcelino foi assassinado por laudos/pericias/descaso como cidadão. Se não haver nenhuma denuncia as entidade mundiais de defesa da vida, o próximo laudo pode sair que Marcelino existiu apenas como conceito filosófico de existência e que as lágrimas de sua família e amigos não passam de uma metáfora pra ilustrar a imolação da vida. 

Embora como base de compreensão e assimilação por parte de muitos: “depois de Marx e Freud, não possamos mais aceitar a ideia de uma razão soberana, livre de condicionamentos materiais e psíquicos. Após Weber, ignorar a diferença entre uma razão substantiva, capaz de pensar fins e valores, e uma razão instrumental, cuja competência se esgota no ajustamento de meios a fins. Sem esquecer ainda de Adorno, não ser possível escamotear o lado repressivo da razão, a serviço de uma astúcia imemorial, de um projeto imemorial de dominação da natureza e sobre os homens. E após Foucault, não ser mais lícito fechar os olhos ao entrelaçamento do saber e do poder. Nós precisamos de um racionalismo renovado, fundamentado numa razão esterilizado deste ceticismo exposto de humanismo e valorização da vida em todas a suas instâncias, dos acúmulos de saber, poder e defesa de toda a integridade que zela nossa existência. Pois do contrário estamos fadados ao espinhoso caminho que leva desenfreadamente para um fim sem volta, onde tudo se justifica pelos meios”. 

Por muitas vezes tenho sido perguntado se não tenho 'medo' de me expor, escrevendo abertamente minha posição frente a questões que se passam na cidade. Confesso que sim, 'tenho respeito ao medo', porque foi o medo que nos trouxe até aqui como espécie, mas preciso sempre reafirmar que não nasci para o silêncio porque a coragem é o alimento que sustenta o medo, por ser ela também proponente de estratégias pra sobreviver. E no meu caso as palavras gritam aqui dentro de mim, se misturam como tempero da coragem no ato de denunciar, manisfestando o que penso! 

Minha profunda consternação, estima e respeito a quem há anos conheço e sei o quanto tem sofrido em todos estes meses como: a esposa Dione, amiga desde a tenra adolescência no ensino fundamental, ao filho Eduardo que peguei no colo ainda bebe, eloquência e peraltice pertinente a inquietude da infância e agora o acréscimo traumático e violento da injustiça; a sua amável sogra Deolinda, ternura e vigor na defesa da vida e educação e a seu cunhado Gustavo. Enfim a todos os irmãos de sangue de Marcelino aqui representado pelo nome de meu amigo, compadre e singular professor Claudir Chiarello do qual tive intensos momentos de profunda reflexão histórica/filosófica ao longo destes anos. 

Preciso finalizar este todo dizendo que o sentimento que me afeta neste momento é o de que precisamos refazer o caminho pra uma nova 'ética civilizatória' (embora eu não consiga mensurar a intensidade e proposição da mesma) e da 'justiça comum' (onde todos tenham seus direitos preservados). Do contrário, precisaremos sim estar cientes de que em determinados momentos precisaremos fazer uso de nossas próprias mãos, para não sermos vítimas da inércia do jus legalismo. Enquanto em campo aberto aqui fora se espera por quem poderá ser a próxima vítima. 

Digo isso porque a conclusão da morte, a assinatura de um laudo covarde/mentiroso que 'suicida', dissolve qualquer conceito legal, enterra nosso desejo de justiça e abre os precedentes do direito ao estado de terror! Neste caso, se “o Sono da razão produz monstros” como escreveu Goya, talvez tenha chegado o momento de nós libertamos os nossos também, do antigo mito da filosofia a nossa atual realidade histórica local! A morte do filósofo e vereador em Chapecó foi a tentativa de silenciar a verdade! 

Neuri Adilio Alves 
Professor, Filósofo e Pesquisador