domingo, 4 de julho de 2010

"A Jovem Rainha Vitória": Falsos retoques

Cloves Geraldo *
 

Filme do diretor Jean-Marc Vallée tenta maquiar a imagem da Rainha Vitória, que expandiu o colonialismo britânico, submetendo povos e nações

 

           Os dramas vitorianos, que destacam o passado de glória do Império britânico, têm em “A Jovem Rainha Vitória”, de Jean-Marc Vallée, uma tentativa de modernizar a imagem da rainha britânica (1819/1901) sob cujo reinado (1837/1901) ele mais se expandiu. Daí surgindo o slogan de que era o império onde o “sol jamais se punha”. Um poder que Vallée procura justificar com cenários deslumbrantes, vestuários luxuosos, romance, intrigas palacianas, pondo o espectador diante de uma realeza faminta pelo poder. E uma jovem Vitória (Emily Blunt) centrada, decidida a fazer valer seu ponto de vista para não sucumbir às tramas urdidas pela realeza e os líderes políticos da Monarquia Parlamentar.


              Com esta abordagem revisionista, Vallée e seu roteirista Julian Fellowes retocam a imagem da Rainha Vitória I e, por extensão, da própria realeza britânica. Centram o filme numa jovem rebelde, que se insurge contra o padrasto e conselheiro John Conroy, que pretende submetê-la, desde já, a seu controle, para, a partir daí, ditar as políticas do império. Ela, no entanto, está ciente de seu futuro, reforçado pelo apoio do tio, o rei Guilherme IV (Jim Broadbent), que a ajuda livrar-se de Conroy, abrindo caminho para sua posse com rainha.


             Ela então se defronta com as disputas entre os partidos conservador e liberal, cujos líderes tentam atraí-la para suas políticas. Mas também é cortejada pelo herdeiro do trono belga, seu primo Albert (Rupert Fiend), cujo tio, o rei Leopoldo I, da Bélgica (Thomas Kretschmann), percebendo a falência de seu reinado espera que o sobrinho se case com ela para salvar a coroa. Com estes fios de história, Vallée monta sua narrativa, optando pelo romance entre os jovens Vitória e Albert, tendo como pano de fundo as lutas políticas e as frustrações de Conroy e de sua mãe, a duquesa de Kent (Miranda Richardson).



              Destes fios surgem uma jovem Vitória com traços feministas, disposta a enfrentar membros da realeza e as lideranças políticas, que se sucedem no poder tentando atraí-la para seus interesses. Principalmente quando Vitória chega ao poder. Insegura, ela pende entre os conselhos do primeiro-ministro conservador lorde Melbourne (Paul Bettany) e do príncipe Albert. Sua juventude e inexperiência não lhe permitem apreender os interesses em jogo, configurados nas disputas parlamentares e na ebulição popular vinda das ruas.


               Surgem então suas vacilações, notadamente quando hesita em dividir as responsabilidades de Rainha com o então marido Albert, para depois abandonar a teimosia e a insegurança, caminhando para a maturidade. Mas é também quando as fragilidades do filme emergem, tornando obscuras e incompreensíveis as mudanças de poder no Parlamento, evidenciando também o conservadorismo de Vitória, contrastando com o perfil avançado que Fellowes e Vallée querem lhe dar.


             Os liberais, mostrados em trajes escuros, são vistos como ávidos pelo poder, radicais, enquanto os conservadores são mostrados como “maleáveis, sedutores, até”.  Basta ver as relações de Vitória com Melbourne, o primeiro-ministro conservador: são fiéis aliados, estando ela sempre junto dele. Contraditoriamente, são nestas mal resolvidas passagens, mudanças de rumo narrativo, que entram um terceiro víeis: o da rua. Ele aparece nos comentários de Albert, “preocupado” com as condições de vida do proletariado britânico, e nos confrontos políticos no Parlamento, influenciados pelas vozes das ruas.


                Filme de Vallée é saudosista


              O povo surgido nas conversas dela com Albert e, notadamente, na sequência do atentado; é mostrado como fantasmagórico personagem coletivo, uma ameaça, portanto, ao seu reinado. Conservadora, imperialista, ela só agravou os problemas sociais durante seus 60 anos de poder. O que fragiliza a tentativa da dupla Valléé/Fellowes em modernizá-la. Embora busquem retocar sua imagem, percebe-se que os dois querem, na verdade, é mostrar que no passado monárquico, colonialista, havia uma monarca que submetia a todos, povos e nações, ao contrário do atual momento histórico da Grã-Bretanha, cheio de fracassos econômico-financeiros, submissão aos EUA e fragilidades sociais.


             É, assim, um filme nostálgico, saudoso do tempo em que o imperialismo britânico reinava absoluto no planeta. Um deslize e tanto, em se tratando de visão política registrada em celulóide. O colonialismo britânico, superado pelo imperialismo estadunidense durante a II Guerra Mundial, deixou feridas ainda não cicatrizadas nos quatro continentes. Engendrou a Revolução Industrial, sustentada pelas riquezas das colônias e a exploração do proletariado britânico, enriqueceu a nobreza e a monarquia e gerou uma burguesia ávida pelo controle das riquezas das nações colonizadas.    


           Assim, os retoques da dupla Vallée/Fellowes não resistem à análise mais acurada.  Não poderia ser diferente.

A Jovem Rainha Vitória” (“The Young Victoria”). Drama. Reino Unido/EUA. 2009. 105 minutos. Roteiro: Julian Fellowes. Direção: Jean-Marc Vallée. Elenco: Emily Blunt, Rupert Friend, Paul Bettany, Miranda Ricardson, Jim Broadbent, Thomas Kretschmann.
(*) Oscar 2010 de Melhor Figurino.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna.