segunda-feira, 31 de agosto de 2009

CARISMA E PODER


Atentado religioso contra o Estado brasileiro

Carlos Pompe *

Um acordo entre o governo brasileiro e a Santa Sé, estabelecendo um Tratado Jurídico da Igreja Católica com o país, foi aprovado na noite de 26 de agosto pela Câmara dos Deputados e encaminhado para o Senado Federal. Entidades e pessoas de bom senso vêm se manifestando contra mais esse atentado contra a inteligência.

Lula e Papa Bento 16

Unidos em Cristo, contra a laicidade

Na Câmara alguns parlamentares conseguiram deixar o projeto menos indigesto, mas nem por isso a papa é tragável. O documento que o governo quer tornar lei foi assinado pelo presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em novembro de 2008.

Mais uma vez a Igreja Católica se vale de seus adeptos no poder para obter privilégios e atropelar o conjunto da sociedade. No caso do presente acordo, como os evangélicos também querem usar dinheiro e espaços do poder público para seus fins, conseguiram que a Câmara chancelasse também um projeto de lei de julho de 2009 que praticamente copia o que diz o acordo com o Vaticano, só que estendendo os benefícios a todas as religiões.

Mesmo aprovado, o projeto ainda não está com sua redação final pronta, devido aos trâmites burocráticos. Nessa guerra religiosa ninguém é santo. O deputado federal Miguel Martini (PHS-MG), católico, quis tripudiar: “Hoje, qual o critério para se abrir uma igreja evangélica? Nenhum.” Assim como para abrir um templo católico, judeu, islâmico ou do candomblé, acrescento eu. Mas se os ateus formos abrir uma casa para a difusão da ciência, teremos que pagar impostos e não poderemos invadir as escolas públicas para nos contrapor à lavagem cerebral de nossas crianças...

Um dos pontos do texto diz que "o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental". Quem frequenta escolas que ministram pregação religiosa (elas usam o eufemismo “aula de religião”) sabe o quanto é constrangedor um aluno sair da sala porque não quer assisti-la ou porque seus pais rezam por outra cartilha. Uma agressão ao estudante. A professora titular da Faculdade de Educação da USP, Roseli Fischmann, lembra um outro problema: " muitas pessoas dizem que quem luta pelo Estado laico é contra a religião, contra os católicos [e isso criaria uma antipatia entre os grupos]".

Em parecer de junho deste ano, a Coordenadoria de Ensino Fundamental do Ministério da Educação afirmou que o acordo fere a legislação brasileira e poderá gerar discriminação dentro da escola pública. No caso da particular, o documento ressalta que as instituições de ensino cristãs têm autonomia para deliberar sobre o conteúdo. O Itamaraty diz que o MEC havia dado parecer favorável ao artigo em dezembro de 2007, mas o ministério reafirma que já havia manifestado sua discordância anteriormente. A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) divulgou uma nota pública informando que a ratificação do texto "implicará em grave retrocesso ao exercício das liberdades e à efetividade da pluralidade enquanto princípio fundamental do Estado".

Além da pregação religiosa, o projeto ainda trata do casamento e da assistência espiritual que a Igreja Católica pode dar a presidiários (outro público preferencial dos evangélicos) e em hospitais.

Segundo o presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), Daniel Sottomaior, o texto traz uma "linguagem confusa proposital", e cita o artigo sobre o casamento, que abriria espaço para que a Justiça brasileira passe a ser obrigada a aceitar sentenças de anulação matrimonial do Vaticano.

Mas além de se locupletar com a estrutura estatal, o papa e sua cúpula querem mais! Pelo acordo, querem impedir também legalmente que padres, freiras ou outras categorias de religiosos recorram à Justiça do Trabalho reivindicando direitos por serviços prestados à Igreja. Querem vetar, assim, o acesso de seus pastores e ovelhas aos direitos da legislação trabalhista brasileira. Há casos de padres que, ao deixar o sacerdócio, buscam indenização. O mesmo ocorre com fiéis voluntários.

Dificilmente essa gororoba indigesta deixará de ser aprovada no Congresso e de ser sancionada pelo presidente confessadamente católico.